"Nenhum homem pode pacificar o mundo inteiro, mas cada um pode pacificar a si mesmo." Enio Burgos
A Associação Meditar é uma sociedade civil com personalidade jurídica, sem fins lucrativos, não religiosa ou doutrinária. O primeiro núcleo surgiu em Porto Alegre-RS, e, atualmente, possui núcleos nas cidades de Santa Cruz do Sul, Lajeado, Novo Hambugo, Santa Maria, São Francisco de Paula, Capão da Canoa, Florianópolis, Chapecó e Cuiabá.
A Associação Meditar se propõe a: Difundir a prática da meditação; Congregar os praticantes da meditação; Coletar e divulgar os benefícios à saúde física e mental promovidos pela prática adequada da meditação; Criar, apoiar e promover a difusão de locais adequados para a prática de meditação (Núcleo ou Centros Meditar) no Brasil e no exterior; inclusive, com sedes rurais para abrigar seus membros em vida comunitária voltada à meditação, ao estudo, ao trabalho natural na terra, à contemplação da natureza.
Dedica-se a orientar a iniciação e o desenvolvimento das pessoas (empresa, escolas, associações) na meditação de forma clara, simples, objetiva e segura; Promover cursos, palestras, workshops, retiros e atividades voltadas à prática da meditação; Incentivar e promover a atitude mediativa, altruísta e pacífica, que implique na paz interna e externa, na não-violência, no respeito pela natureza, alimentação natural, bons valores humanos, no conhecimento e na sabedoria.
A Associação Meditar de Cuiabá se reúne sempre aos Sábados, às 08h00, no Espaço Ligia Prieto. Endereço: Rua Min.João Alberto, 137 – Araés - Cuiabá. Informações pelo tel. (65)3052-6634.
A Associação Meditar se propõe a: Difundir a prática da meditação; Congregar os praticantes da meditação; Coletar e divulgar os benefícios à saúde física e mental promovidos pela prática adequada da meditação; Criar, apoiar e promover a difusão de locais adequados para a prática de meditação (Núcleo ou Centros Meditar) no Brasil e no exterior; inclusive, com sedes rurais para abrigar seus membros em vida comunitária voltada à meditação, ao estudo, ao trabalho natural na terra, à contemplação da natureza.
Dedica-se a orientar a iniciação e o desenvolvimento das pessoas (empresa, escolas, associações) na meditação de forma clara, simples, objetiva e segura; Promover cursos, palestras, workshops, retiros e atividades voltadas à prática da meditação; Incentivar e promover a atitude mediativa, altruísta e pacífica, que implique na paz interna e externa, na não-violência, no respeito pela natureza, alimentação natural, bons valores humanos, no conhecimento e na sabedoria.
A Associação Meditar de Cuiabá se reúne sempre aos Sábados, às 08h00, no Espaço Ligia Prieto. Endereço: Rua Min.João Alberto, 137 – Araés - Cuiabá. Informações pelo tel. (65)3052-6634.
sábado, 29 de novembro de 2014
Feliz Continuação
Por Thich Nhat Hanh
“Ouça Shariputra, todos os dharmas são marcados com a
vacuidade. Eles não podem ser produzidos nem destruídos.” (Sutra do Coração)
Dharmas aqui, significam coisas. Um ser humano é um dharma. Uma árvore é um dharma. Uma nuvem é um dharma. O brilho do
sol é um dharma. Tudo que pode
ser concebido é um dharma. Portanto,
quando dizemos, “Todos
os dharmas são marcados com a
vacuidade,” estamos dizendo, tudo
tem a vacuidade como sua natureza. E é por isso que tudo pode existir. Há muita alegria nessa declaração. Significa que nada
pode nascer, nada pode morrer. Avalokita disse algo extremamente importante.
Em cada dia na nossa vida vemos nascimento e morte.
Quando uma pessoa nasce, uma certidão de nascimento é impressa para ele. Depois que morre, de forma a enterrá-lo, um certificado de óbito é feito. Essas certidões confirmam a existência do nascimento e da
morte. Mas Avalokita disse, “Não,
não há nascimento e morte.” Temos que olhar, mais
profundamente de forma a ver se essa declaração é verdadeira.
Qual é a data na qual você nasceu, sua data de nascimento? Antes dessa data, você já existia? Você já estava presente antes de
nascer? Deixe-me ajudá-lo. Nascer significa que de nada você se tornou algo. Minha
pergunta é, antes de nascer, você já estava presente?
Suponha que uma galinha está prestes a colocar um ovo. Antes de
ela colocá-lo, você acha que o ovo já estava presente? Sim, é claro. Está dentro dela. Você também estava dentro antes que
saísse. Isto significa que
antes de nascer, você
já existia – dentro de sua mãe. O fato é que se algo já está presente, não necessita nascer.
Nascer significa que do nada, você se tornou algo. Se você já é algo, qual o sentido de nascer?
Portanto, o chamado, dia do aniversário é na realidade seu dia de
Continuação. Na próxima vez que celebrar,
pode dizer, “Feliz dia de Continuação.” Acho que podemos ter uma
idéia melhor de quando
nascemos. Se voltarmos nove meses antes, para o momento da concepção, teremos uma data
melhor para colocar em nossa certidão de nascimento. Na China e também no Vietnã, quando nasce, já se considera que você tenha um ano de idade.
Portanto dizemos que nosso início se dá no momento da concepção no útero de nossa mãe, e escrevemos essa data
na nossa certidão
de nascimento.
Mas a questão permanece: Antes mesmo desta data você existia ou não? Se você disser, “Sim”, acho que está correto. Antes da sua
concepção, você já estava presente, talvez
metade na sua mãe,
metade no seu pai. Porque do nada, não podemos nos tornar algo. Você pode citar uma coisa que uma vez
tenha sido nada? Uma nuvem? Você acha que uma nuvem pode nascer do nada? Antes de ser uma
nuvem, era água, talvez flutuando em
um rio. Ela não era um nada. Você concorda?
Não podemos conceber o nascimento do nada. Há apenas continuação. Por favor, olhar ainda
mais para trás e você verá que você não apenas existia no seu
pai e mãe, mas também nos seus avôs e avós. Ao olhar mais
profundamente, posso ver que numa vida anterior eu era uma nuvem. Isto não é poesia, é ciência.
Porque eu digo que numa vida anterior eu era uma
nuvem? Porque eu ainda sou uma nuvem. Sem a nuvem, eu não poderia estar aqui. Eu sou a
nuvem, eu sou o rio, e o ar neste exato momento, portanto eu sei que no passado
eu fui uma nuvem, um rio e o ar. E eu era uma pedra. Eu era os minerais na água. Isto não é uma questão de crença em reencarnação. Esta é a história da vida na Terra.
Fomos gás, brilho do sol, água, fungos e plantas.
Fomos seres unicelulares. O Buda disse que em suas vidas passadas ele era uma árvore. Ele foi um peixe,
Ele foi um cervo. Estas não são coisas supersticiosas. Todos fomos uma nuvem, um cervo, um
pássaro, um peixe e
continuamos a ser essas coisas, não apenas em vidas passadas.
E não é apenas assim com o nascimento. Nada pode nascer e também nada pode morrer. Isto
foi o que Avalokita disse. Você acha que uma nuvem pode morrer? Morrer significa que de
algo você se tornou nada. Você acha que podemos
transformar alguma coisa em nada? Vamos voltar à nossa folha de papel. Podemos ter a
ilusão que para destruir toda
a folha tudo o que temos que fazer é acender um fósforo e queimá-la. Mas se queimarmos uma folha de papel, parte dela se
tornará fumaça e a fumaça subirá e continuará a existir.
O calor resultante da queima do papel entrará no cosmos e penetrará nas outras coisas,
porque o calor é
a vida seguinte do papel. A cinza que é formada se tornará parte do solo e a folha de papel, na sua vida seguinte,
poderá ser uma nuvem e uma rosa
ao mesmo tempo. Temos que ser muito cuidadosos e atentos de forma a perceber
que esta folha de papel nunca nasceu e nunca morrerá. Ela pode passar a ser outras
formas de vida, mas não somos capazes de transformar uma folha de papel em nada.
Tudo é assim, mesmo você e eu. Não somos sujeitos ao nascimento e morte. Um mestre Zen
poderia dar a seu aluno um tema de meditação como esse, “Como era seu rosto antes
que seus pais nascessem?” Este é um convite para ir em uma viagem de forma a se reconhecer.
Se você fizer bem feito, poderá ver suas vidas passadas
assim como as vidas futuras.
Lembre-se, por favor, que não estamos falando sobre filosofia,
estamos falando da realidade. Olhe para a sua mão e se pergunte, “Desde quando minha mão tem estado por aí?” Se eu olhar profundamente para
minha mão, poderei ver que ela
tem estado por aí
há um longo tempo, mais de
300.000 anos. Vejo muitas gerações de ancestrais nela, não apenas no passado mas no momento
presente, ainda vivas. Eu sou apenas uma continuação. Eu nunca morri nenhuma vez. Se eu
tivesse morrido uma vez ao menos, como minha mão ainda estaria aqui?
O cientista francês Lavoisier disse, “Nada é criado e nada é destruído.” Isto é o mesmo que está no Sutra do Coração. Mesmo os melhores
cientistas contemporâneos
não podem reduzir algo como
uma partícula de poeira ou um elétron a nada. Uma forma de
energia pode apenas se tornar outra forma de energia. Uma coisa nunca pode se
tornar nada e isso inclui uma partícula de poeira.
Usualmente dizemos que humanos vêm do pó e voltaremos ao pó e isto não soa muito alegre. Não queremos retornar ao pó. Há uma discriminação aqui achando que
humanos valem mais e que a poeira não tem valor nenhum. Mas cientistas não sabem ao menos o que é um grão de poeira! Ainda é um mistério. Imagine um átomo desse grão de poeira, com elétrons viajando em torno
do núcleo a 180.000 milhas por
segundo. É muito excitante. Voltar
a ser um grão de poeira será uma aventura muito
excitante!
Às vezes temos a impressão que entendemos o que é um grão de poeira. Até mesmo fingimos que
entendemos um ser humano – um ser humano que dizemos que voltará a ser um grão de poeira. Como vivemos
com uma pessoa por 20 ou 30 anos, temos a impressão que sabemos tudo sobre ela.
Portanto, ao dirigir o carro com a pessoa ao nosso lado, pensamos em outras
coisas. Não estamos mais interessados
nela. Que arrogância!
A pessoa sentada ali ao nosso lado é realmente um mistério! Apenas temos a impressão que a conhecemos, mas não sabemos nada ainda.
Se olharmos com os olhos de Avalokita, veremos que
mesmo um fio de cabelo da pessoa é o cosmos inteiro. Um fio de cabelo na sua cabeça pode ser uma porta se
abrindo para a realidade última. Um grão de poeira pode ser o Reino dos Céus, a Terra Pura. Quando você vir que você, o grão de poeira e todas as
coisas intersão, você entenderá que as coisas são dessa forma. Precisamos
ser humildes. “Dizer que não sabe é o começo do conhecimento”, é um provérbio chinês.
Um outono, eu estava em um parque, absorvido na
contemplação de uma bonita folha
muito pequena, na forma de coração. Sua cor era quase vermelha, e estava por pouco pendurada
no galho, quase pronta para cair. Eu fiquei um bom tempo com ela e perguntei à folha muitas questões. Eu descobri que a
folha tinha sido uma mãe para a árvore. Usualmente pensamos que a árvore é a mãe da folha. A seiva que as raízes captam é apenas água e minerais, e não é boa o suficiente para
nutrir a árvore, portanto a árvore distribui a seiva
para as folhas. E as folhas assumem a responsabilidade de transformar a seiva
bruta na seiva elaborada e com a ajuda do sol e gás, a devolvem de forma a nutrir a árvore. Portanto as folhas
são também a mãe da árvore. E como a folha é ligada à árvore por um talo, a comunicação entre elas é fácil de ver.
Não temos mais um talo nos ligando à nossa mãe, mas quando estávamos no seu útero tínhamos um longo talo, um
cordão umbilical. O oxigênio e os nutrientes que
precisávamos vinham para nós através desse talo.
Infelizmente, no dia que chamamos de dia do aniversário, ele foi cortado e recebemos a
ilusão que éramos independentes. Isto
é um erro. Continuamos a
depender de nossa mãe
por um longo tempo, e temos muitas outras mães também. A Terra é nossa mãe. Temos muitos grandes talos nos
ligando à nossa mãe Terra.
Há um talo nos ligando com a nuvem. Se não houvesse nuvem, não haveria água para bebermos. Somos
feitos de pelo menos setenta porcento de água e o talo entre a nuvem e nós está realmente presente. Há também a mesma situação com o rio, a floresta,
o lenhador e o fazendeiro. Há centenas de milhares de talos nos ligando a tudo no cosmos
de forma que possamos existir. Você vê a ligação entre você e eu? Se você não estiver aí, eu não estaria aqui. Isto é certo. Se você não vê isso ainda, olhe mais
profundamente e tenho certeza que verá. Como disse, não é filosofia. Você realmente tem que ver.
Eu perguntei para a folha se ela tinha medo porque
era outono e as outras folhas estavamm caindo. A folha me disse, “Não. Durante toda a primavera e verão eu estava viva.
Trabalhei duro e ajudei a nutrir a árvore, e muito de mim está na árvore. Por favor, não diga que eu sou apenas
esta forma, porque a forma da folha é apenas uma pequena parte de mim. Eu sou a árvore inteira. Sei que já estou dentro da árvore e quando eu for de
volta ao solo, continuarei a nutrir a árvore. É por isso que não me preocupo. Assim que eu deixar o galho e flutuar ao
solo, acenarei para a árvore e direi a ela, `Te verei novamente em muito em breve`” .
Logo eu vi um tipo de sabedoria muito parecido com a
contida no Sutra do Coração. Você tem que ver a vida. Não deveria dizer a vida da
folha, deveria apenas falar na vida na folha, na vida na árvore. Minha vida é apenas Vida, e você pode vê-la em mim e na árvore. Naquele dia havia
um vento soprando e depois de um tempo via a folha deixar o galho e flutuar
para o solo, dançando
alegremente, porque enquanto flutuava olhava para si mesmo já na árvore. Ela estava muito
feliz. Curvei minha cabeça e sabia que havia muito a aprender da folha porque ela não tinha medo – ela sabia que nada pode
nascer e nada pode morrer.
(...) Amanhã eu continuarei a ser. Mas você terá que ser muito atencioso para me
ver. Eu serei uma flor ou uma folha. Eu estarei nessas formas e direi alô para você. Se você tiver atenção suficiente me
reconhecerá e poderá me cumprimentar. Eu
ficarei muito feliz.
(Do livro “The heart of undestanding” – Thich Nhat Hanh)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)
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quinta-feira, 30 de outubro de 2014
Treinamentos - Ética e Espiritualidade
A
ética e espiritualidade estão conectadas
Recentemente,
fui entrevistado por um teólogo cristão que me perguntou: "Como podemos
tornar realidade uma espiritualidade global?" Mas a espiritualidade não
pode ser separada da ética. É preciso haver uma relação entre o espiritual e o
ético. Se praticarmos os Cinco Treinamentos da Plena Atenção, teremos uma
prática que é ao mesmo tempo espiritual e ética e que pode nos guiar
coletivamente em direção a uma forma de vida mais sustentável.
Há
uma ligação profunda entre o ético e o espiritual. Se você não pode ver o
espiritual na formação ética, a sua ética pode estar vazia. Você pode estar
fazendo as coisas sem saber o porquê e pode não haver nenhuma alegria em suas
ações. Por exemplo, inspirado pelo Quinto Treinamento de Plena Atenção, você
pode decidir não mais beber álcool ou usar drogas. Mas se você se ressente do
Treinamento e sofre com isso, porque ainda quer beber álcool ou usar drogas, a
ética que você segue é vazia, porque realmente não vê o valor nela.
Os
Treinamentos da Plena Atenção são baseados em discernimento e amor e não em
proibição e recusa. Isto é válido para qualquer um dos treinamentos. Se você é
vegetariano porque acha que deveria ser, mas deseja que pudesse comer carne,
então você não está realmente seguindo os treinamentos. Mas se você sentir que
tem sorte de ser capaz de comer principalmente verduras e legumes e não causar
sofrimento a outros seres vivos, então há alegria, compreensão, compaixão e
espiritualidade em sua alimentação. Comer se torna uma coisa muito espiritual.
Não há nenhuma barreira que divida o ético e o espiritual.
Os
Cinco Treinamentos da Plena Atenção não contém dogma, religião ou sectarismo.
Cada um de nós pode usar os treinamentos como princípios éticos práticos para a
nossa vida, sem ser parte de qualquer fé ou tradição particular. Você pode ser
apenas você mesmo ao tentar fazer sua vida bonita, seguindo a sabedoria desses
treinamentos. Os Cinco Treinamentos são, para cada um de nós, o resultado do
nosso próprio olhar profundo e do olhar profundo coletivo.
O
objetivo dos treinamentos não é segui-los perfeitamente e, em seguida, se
sentir superior porque os seguimos. Os treinamentos são um guia; não é possível
praticá-los tão perfeitamente que evite qualquer sofrimento para todos. Por
exemplo, não é possível evitar a matança. O cultivo de hortaliças, a
purificação da água que bebemos e outras atividades humanas necessárias causam
a morte de pequenos seres vivos. Os vegetais também são seres vivos. Comparado
com o sofrimento dos animais, parece que o sofrimento das plantas é menor; mas
não significa que não haja sofrimento. Nós não podemos abolir o sofrimento por
completo, mas vamos tentar reduzi-lo. Podemos tentar reduzir o sofrimento um
pouco de cada vez, todos os dias.
Os
Cinco Treinamentos existem para serem estudados, aprendidos, recitados e
praticados para que possamos aprofundar as nossas experiências e compreensão, e
para que possamos compartilhar isso com outras pessoas. Se fizermos isso como
uma grande comunidade, nossa visão vai crescer e isso vai beneficiar muitas
pessoas. Se durante a prática dos Cinco Treinamentos você sentir que sua
compaixão e bondade amorosa tornaram-se maiores, que o seu entendimento tem
crescido, que você pode compartilhar o seu conhecimento e fazer as coisas
melhores, então você estará no caminho certo.
Nossa
ética deve ser uma ética sem dogmas, sem pontos de vista. Ninguém impõe os
treinamentos sobre nós, ninguém está nos pedindo para praticar. Nós mesmos
podemos ver com base em nosso próprio insight e experiência que o nosso caminho
é de alegria, compaixão e amor. Os Cinco Treinamentos incluem a prática de não
sermos capturados em uma forma dualista de ver as coisas.
O
dualismo é a visão de que o bem e o mal, o sagrado e o profano, a felicidade e
o sofrimento se opõem uns aos outros e que é só por destruir o mal que temos o
bem e destruindo o profano que temos o sagrado. De acordo com a visão da
interexistência, o bem e o mal intersão. Bem é uma maneira hábil de lidar com o
mal e que leva à sua transformação. Não lutamos contra. O bem e o mal são
orgânicos e estão presentes juntos. Essa percepção é a única maneira de
podermos remover todas as discriminações e medo. É o fundamento da prática dos
treinamentos. Em seguida, os treinamentos, muito naturalmente, tornam-se a
forma como vivemos e a fonte de nossa felicidade.
No
Budismo existe a noção de karma, que significa ação. Isso inclui o ato de
pensar, o ato de falar, e o ato de realizar a ação física. Cada pensamento que
você produz é a sua continuação. Cada palavra que você fala é a sua
continuação. Tudo que você faz com o seu corpo é o seu prosseguimento. Até
nossos pensamentos são um tipo de energia que produzimos. Nós produzimos
energia da mesma forma que uma nuvem produz chuva. A chuva é uma ação realizada
pela nuvem; a nuvem é transformada na chuva. Somos muito parecidos com a nuvem.
Assim como a nuvem produz chuva, nós produzimos pensamentos, palavras e ações
que nos continuam para sempre. Quando este corpo se desintegrar, você
continuará para sempre pelo seu karma.
Você
não precisa esperar a desintegração do seu corpo para renascer em novas formas
de vida. Uma nuvem não precisa desaparecer completamente, a fim de se tornar a
chuva. É maravilhoso ser uma nuvem flutuante, mas também é muito maravilhoso
ser a chuva caindo. Quando eu olho em volta de mim, me vejo em muitas direções.
Eu já estou reencarnado em muitas formas. Se você acha que eu estou apenas aqui
neste corpo, isto é uma visão errada; você realmente não tem me visto. Nós
somos mais do que aquilo que podemos ver. Nós produzimos muitos pensamentos,
palavras e ações que nos continuam um pouco por toda parte.
Com
a prática dos Cinco Treinamentos, podemos assegurar que a nossa continuação
estará contribuindo para um mundo mais sustentável e pacífico. Os Treinamentos
não são só para a nossa própria sobrevivência, mas para a sobrevivência das
futuras gerações e do planeta, hoje e depois de nossos corpos sumirem.
Nós
podemos começar a praticar a qualquer momento. Ontem, nós podemos ter produzido
um pensamento cruel. Hoje, nós podemos produzir outro pensamento que pode
modificar e transformar o pensamento produzido ontem. Tão logo o pensamento de
hoje de compreensão e compaixão seja produzido, pode contrabalançar o pensamento
de ontem. Com atenção plena, temos a liberdade de mudar a nós mesmos e ajudar a
mudar o mundo. A prática dos Cinco Treinamentos não é apenas um caminho
individual, mas parte de uma ética global maior que pode mudar a direção que
estamos indo atualmente como pessoas e como um planeta. Os Treinamentos estão
lá para todos nós, aonde quer que vivamos, quaisquer que sejam as nossas
tradições culturais e espirituais. Se cada um de nós puder praticar estes
treinamentos, individualmente e em conjunto, vamos nos encontrar de mãos dadas,
percorrendo o caminho juntos em direção a um futuro sustentável e mais alegre.
(Do livro “The mindfulness survival kit”–
Thich Nhat Hanh)
(Traduzido
por Leonardo Dobbin)
Texto extraído em http://sangavirtual.blogspot.com
domingo, 12 de outubro de 2014
Ensinamento para crianças
Sidarta quietamente fez um gesto para que as crianças
sentassem e disse: “Vocês todas são crianças inteligentes e eu estou certo que
serão capazes de entender e praticar as coisas que eu partilharei com vocês. O
Grande Caminho que eu descobri é profundo e sutil, mas qualquer um desejando
aplicar seu coração e mente pode entendê-lo e segui-lo.”
“Quando você, criança, descasca uma tangerina, pode comê-la
com consciência ou sem consciência. O que significa comer uma tangerina com
consciência? Quando você está comendo uma tangerina está consciente que está
comendo uma tangerina. Você experimenta totalmente sua adorável fragrância e
gosto doce. Quando você descasca a tangerina, sabe que está descascando a
tangerina; quando remove um gomo e o coloca em sua boca, sabe que está
removendo um gomo e o colocando na boca. Quando experimenta sua adorável
fragrância e gosto doce, está consciente que está experimentando seu gosto doce
e adorável fragrância.”
“A tangerina que Nandabala me ofereceu tem nove gomos. Eu
comi cada gomo em plena consciência e vi o quão preciosos e maravilhosos eram.
Eu não esqueci a tangerina, e portanto a tangerina era real, a pessoa comendo a
tangerina era real. Isto é que é comer uma tangerina de forma consciente.”
“Crianças o que significa comer uma tangerina sem plena
consciência? Quando você está comendo uma tangerina, não sabe que está comendo
uma tangerina. Não experimenta a adorável fragrância e o gosto doce da
tangerina. Quando você descasca a tangerina, não sabe que está descascando uma
tangerina. Quando remove um gomo e põe na sua boca, não sabe que está removendo
um gomo e o colocando em sua boca. Quando sente o cheiro da fragrância ou o
gosto de uma tangerina, não sabe que está sentindo o cheiro da fragrância ou o
gosto da tangerina. Ao comer uma tangerina deste modo, você não pode apreciar
sua preciosa e maravilhosa natureza. Se você não está consciente que está
comendo uma tangerina, a tangerina não é real. Se a tangerina não é real, a
pessoa que a está comendo também não é real. Crianças, isto é comer uma
tangerina sem plena consciência.”
“Crianças, comer uma tangerina em plena consciência
significa que enquanto você come está verdadeiramente em contato com ela. Sua
mente não está correndo atrás dos pensamentos de ontem ou de amanhã, mas está
habitando totalmente no momento presente. A tangerina está verdadeiramente presente.
Vivendo com plena consciência da mente significa morar no momento presente, sua
mente e corpo habitando realmente no aqui e agora.”
“Uma pessoa que pratica a plena atenção pode ver coisas na
tangerina que outros não são capazes de ver. Uma pessoa consciente pode ver a
árvore de tangerina, o florescer da tangerina na primavera, os raios de sol e
chuva que nutriram a tangerina. Olhando profundamente, a pessoa pode ver dez
mil coisas que fizeram a tangerina possível. Olhando para a tangerina, uma
pessoa que pratica plena atenção pode ver as maravilhas do universo e como
todas as coisas interagem umas com as outras. “
“Crianças, nossa vida diária é justamente como a tangerina.
Como a tangerina é dividida em gomos, cada dia é dividido em 24 h. Uma hora é
como um gomo da tangerina. Viver todas as 24hs do dia é como comer todos os
gomos da tangerina. O caminho que eu encontrei, é o caminho de viver cada hora
do dia em plena atenção, mente e corpo sempre habitando no momento presente. O
oposto é viver no esquecimento, não saber que estamos vivos. Não experimentamos
totalmente a vida porque nossa mente e corpo não estão habitando no aqui e
agora.”
Gautama olhou para Sujata e disse seu nome.
“Sim, Mestre?” Sujata juntou as palmas das mãos.
“Você acha que uma pessoa que vive em plena atenção fará
muitos erros ou poucos?”
“Respeitável Mestre, uma pessoa que vive em plena atenção
fará menos erros. Minha mãe sempre me diz que uma menina deveria prestar
atenção à maneira como anda, fica em pé, fala, ri e trabalha de forma a evitar
pensamentos, palavras e ações que possam causar lamento para ela mesma e para
os outros.”
“Isso mesmo, Sujata. Uma pessoa que vive em plena atenção
sabe o que está pensando, dizendo e fazendo. Tal pessoa pode evitar
pensamentos, palavras e ações que causam sofrimento para ela mesma e para os
outros.”
“Crianças, viver em plena atenção significa viver no momento
presente. Uma pessoa é consciente do que está acontecendo dentro dela e ao seu
redor. A pessoa está em contato direto com a vida. Se a pessoa continua a viver
desse modo, será capaz de profundamente entender a si mesma e ao que está a sua
volta. Entendimento leva à tolerância e ao amor. Quando todos os seres se
entenderem, eles se aceitarão e se amarão. Então não haverá tanto sofrimento no
mundo. O que você pensa Svasti? As pessoas podem amar se elas são incapazes de se
entender?”
“Respeitável Mestre, sem entendimento, o amor é bem difícil.
Me lembra algo que aconteceu com minha irmã Bhima. Uma vez ela chorou a noite
toda até que minha irmã Bala perdeu a paciência e deu umas palmadas nela. Isso
apenas fez Bhima chorar mais. Eu peguei Bhima e percebi que ela estava com
febre. Tinha certeza que sua cabeça deveria estar doendo por causa da febre. Chamei
Bala e disse a ela que colocasse a mão na testa de Bhima. Quando ela fez isso
entendeu de uma vez porque Bhima estava chorando.Seu olhos amoleceram e ela
pegou Bhima nos seus braços e cantou para ela com amor. Bhima parou de chorar
mesmo ainda com febre. Respeitável mestre, penso que isto aconteceu porque Bala
entendeu o porque de Bhima estar chateada. E assim penso que sem entendimento,
o amor não é possível.”
“Isso mesmo Svasti! O amor só é possível quando há
entendimento. E somente com amor pode haver aceitação. Pratiquem viver em plena
atenção crianças e vocês aprofundarão seu entendimento. Serão capazes de
entender a vocês mesmos, às outras pessoas e todas as coisas. E vocês terão
corações de amor. Este é o caminho que eu descobri.”
Svasti juntou as palmas das mãos. “Respeitável Mestre,
podemos chamar este caminho do ‘Caminho da Plena Atenção’?”
Sidarta sorriu “Claro. Podemos chamá-lo de o Caminho da
Plena Atenção. Eu gosto muito. O Caminho da Plena Atenção leva ao perfeito
Despertar.”
Sujata juntou as palmas das mãos e pediu permissão para
falar. “Você é aquele que despertou, aquele que mostra como viver em plena
atenção. Podemos chama-lo de ‘O Desperto’?”
Sidarta fez que sim com a cabeça. “Isto me agradaria muito.”
Os olhos de Sujata brilharam. Ela continuou “Desperto em
Magadhi é pronunciado como budh. Uma pessoa desperta deveria ser chamada
Buda em Magadhi. Podemos chamá-lo de Buda?”
Sidarta fez que sim com a cabeça. Todas as crianças estavam
extasiadas. Nalaka, um menino de 14 anos, o mais velho do grupo falou: “Respeitável
Buda, estamos muito felizes de receber seus ensinamentos sobre o Caminho da
Plena Atenção. Sujata me disse como você meditou sobre esta árvore nos últimos
6 meses e como na última noite obteve o Grande Despertar. Respeitável Buda,
esta árvore é a mais bonita da floresta. Podemos chama-la de ‘Árvore do
Despertar’, a ‘Árvore Bodhi’? A palavra bodhi divide a mesma raiz da
palavra Buda e também significa despertar.”
Gautama fez que sim com a cabeça. Ele também estava
deleitado. Ele não tinha adivinhado que durante seu encontro com as crianças o
caminho e mesmo a grande árvore receberiam nomes especiais.
(Traduzido do livro “Old Path White Clouds” sobre a vida do
Buda – Thich Nhat Hanh)
Texto publicado em http://sangavirtual.blogspot.com
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terça-feira, 23 de setembro de 2014
Travessia de Primavera
Texto da Monja Coen publicado no
jornal O Globo de 18/09/2014
As eleições também se dão em casa, onde ficamos nos
exibindo para ganhar os corações daqueles com quem nos relacionamos.
Equinócio de equidade. Dia e noite com a mesma
duração. Equidade mental — os opostos têm o mesmo valor.
Eleições na primavera — opositores se equivalem?
Travessia de ir e vir, de atravessar sem que uma pessoa atravesse o caminho da
outra ou mostre o avesso, o revés.
Eleições de avessos que se avessam.
Como ainda estamos distante de um ideal
civilizatório de equidade e respeito!
O equinócio de setembro marca o início da primavera
no Hemisfério Sul e o início do outono no Norte. É um momento em que nós, budistas,
celebramos a equidade entre dia e noite, o que nos facilita a travessia do
caudaloso (confuso, cheio de entulhos, lixo, poluição — algumas vezes seco,
rachado, furado, fétido, outras vezes molhado, coberto, cheiroso, ardiloso com
redemoinhos e pedras submersas, escondidas, que podem furar o barco) rio da
vida-morte.
Atravessar o rio é simbólico de perceber que
estamos na margem do sofrimento, da ignorância, envenenados pela ganância e
pela raiva.
Reconhecemos essa margem? Aflições, ansiedades,
medos, desgraças? Os venenos que impedem a mente de ter sensações, percepções,
conexões neurais e consciência leves e claras. Como águas poluídas, a mente
fica turva, confusa, capaz de improbidades para obter sucesso, ganhar votos,
eleger-se.
As eleições não são apenas presidenciais, de
senado, assembleias, governos estaduais. As eleições se dão em casa — pessoas
lutando pelos votos das famílias. Tanto um querendo ganhar o voto do outro,
como também dos filhos, dos amigos, dos vizinhos, dos avós. Incessante.
Ficamos nos exibindo, contando vantagens (ou
contando desvantagens — outra forma de se vangloriar) para obter aplausos,
votos, para sermos eleitos aos corações e atenções das outras pessoas com quem
nos relacionamos.
Funciona no trabalho, na rua, no trânsito, no
Facebook, no Twitter. Funciona tanto na terra como nos céus. Queremos os votos
de confiança, respeito e apoio de Budas, Bodisatvas, Santos, Santas, Profetas,
Pastores, Divindades.
Queremos o apoio dos filósofos e dos sábios, bem
com dos incultos e dos tolos. Queremos até os mornos.
Nossa carência e insuficiência se revelam no
insulto, no rebaixar os outros, no ataque raivoso, dedo em riste.
Que triste.
Quisera poder viver um tempo de anistia, um tempo
de alegria, um tempo de paz.
Tempo de atravessar desta margem confusa e
agressiva, de tanta falsidade que duvidamos da dúvida — pois ninguém mais é
confiável. Nem mesmo a mídia, nem mesmo eu.
Atravessar para a margem da tranquilidade, pegar o
barco seguro da verdade e da ética. Chegar lá — que é aqui. Chegar onde se
chega com ternura, com respeito, com brandura, sem luta, sem nenhuma luta.
Chega-se de manso, de leve, com trabalho,
perseverança. Chega-se pensando no bem maior do grande Eu. Inclusão, alimentos,
escolaridade, saúde.
Sem pilhérias, sem misérias.
Aqui e acolá. No planeta, nosso corpo comum.
Sem mais guerras, sem decapitações, sem ataques,
sem mutilações.
Quero ver o mundo despertar dessa dormência tola e
se unir em projetos que beneficiem a todos.
Isso é travessia.
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