A Associação Meditar é uma sociedade civil com personalidade jurídica, sem fins lucrativos, não religiosa ou doutrinária. O primeiro núcleo surgiu em Porto Alegre-RS, e, atualmente, possui núcleos nas cidades de Santa Cruz do Sul, Lajeado, Novo Hambugo, Santa Maria, São Francisco de Paula, Capão da Canoa, Florianópolis, Chapecó e Cuiabá.

A Associação Meditar se propõe a: Difundir a prática da meditação; Congregar os praticantes da meditação; Coletar e divulgar os benefícios à saúde física e mental promovidos pela prática adequada da meditação; Criar, apoiar e promover a difusão de locais adequados para a prática de meditação (Núcleo ou Centros Meditar) no Brasil e no exterior; inclusive, com sedes rurais para abrigar seus membros em vida comunitária voltada à meditação, ao estudo, ao trabalho natural na terra, à contemplação da natureza.

Dedica-se a orientar a iniciação e o desenvolvimento das pessoas (empresa, escolas, associações) na meditação de forma clara, simples, objetiva e segura; Promover cursos, palestras, workshops, retiros e atividades voltadas à prática da meditação; Incentivar e promover a atitude mediativa, altruísta e pacífica, que implique na paz interna e externa, na não-violência, no respeito pela natureza, alimentação natural, bons valores humanos, no conhecimento e na sabedoria.

A Associação Meditar de Cuiabá se reúne sempre aos Sábados, às 08h00, no Espaço Ligia Prieto. Endereço: Rua Min.João Alberto, 137 – Araés - Cuiabá. Informações pelo tel. (65)3052-6634.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Arte de Morrer

Por Monja Coen Sensei

A lenha se transforma em cinza.

A cinza não se transforma em lenha novamente.

Mas não devemos pensar que a cinza é depois e que a lenha é antes.

Saiba que a lenha tem a sua posição no darma*, de lenha, e assim, sendo lenha tem seu passado e seu futuro.

Embora tenha passado e futuro, atravessa passado e futuro.

A cinza está em sua posição do darma* de cinza e tem seu passado e futuro.

Assim como a lenha, depois de se tornar cinza, não volta a ser lenha novamente, da mesma maneira uma pessoa, após a morte, não volta à vida.

Por isso não dizemos que a vida se transforma em morte.

Este é o caminho estabelecido do Darma* de Buda.

Por esta razão é chamado de não nascido.

A morte não se torna vida.

Este é o estabelecido girar da roda do Darma* de Buda.

Por esta razão é chamado de não morto.

A vida tem o seu próprio tempo: começo, meio e fim.

A morte tem o seu próprio tempo: começo, meio e fim.

Por exemplo, é como inverno e primavera.

Não pensamos que o inverno se torna primavera.

Não dizemos que a primavera se transformou em verão.

(Shobogenzo Genjokoan de Mestre Eihei Dogen -1200-1253)

Budismo é uma tradição religiosa com inúmeras ordens e subordens, cujas interpretações e adaptações dos ensinamentos de Buda podem inclusive se contradizer.

Neste trabalho vou me dedicar especialmente ao Zen Budismo, tradição Soto Shu - ordem fundada no Japão pelo Mestre Eihei Dogen, no século XIII – conforme me foi ensinado e transmitido por meus mestres: de ordenação monástica nos Estados Unidos da America do Norte (Taizan Maezumi Roshi), de prática monástica no Mosteiro Feminino da Província de Aichi (Kakuzen Shundo Roshi) e mestre de transmissão do Darma (Yogo Suigan Roshi). Cada um de meus mestres e mestra pertencem a linhagens diferentes, embora todos sejam da mesma ordem monástica.

É importante salientar esses detalhes, pois o que vou escrever aqui reflete uma das inúmeras visões possíveis dentro da própria ordem monástica Soto Shu.

As questões que proponho levantar neste trabalho são as seguintes:

Quem ou o que somos nós, seres humanos?

O que entendemos por vida e o que entendemos por morte?

Precisamos nos preparar para morrer? Morrer é uma arte?

Precisamos nos preparar para viver?

A vida é uma arte?

Como sentimos a morte?

Como cuidamos de quem está morrendo/vivendo, de quem está vivendo/morrendo, de quem viveu, de quem morreu?

O que é a morte?

O que será que existe, ou o que se passa tanto no momento da morte como do pós morte?

Haverá outras vidas?

Há céu, inferno, purgatório?

Quem julga, condena, absolve, indica, escolhe para onde ir?

Há para onde ir?

Existe alma eterna? Ou tudo se aniquila com a morte?

Buda nega essas duas visões – tanto de uma alma eterna como a de que tudo se extingue com a morte.

Qual é esta terceira visão?

Por que orar?

Por que fazer cerimônias fúnebres, serviços memoriais?

Não será possível entrar em detalhes ou me aprofundar em cada um dos temas acima, mas me proponho a traçar algumas reflexões baseadas em textos e práticas comuns da minha tradição religiosa.

Feita esta introdução, volto ao texto inicial.

O autor desse texto, Mestre Eihei Dogen (lê-se Dooguen) é o fundador da ordem Soto Shu, no Japão, e tem sido reconhecido nos meios acadêmicos - tanto no Oriente como no Ocidente, como um importante religioso, filósofo, escritor e poeta. Mestre Dogen é um monge do século XIII, no Japão, e um revolucionário em sua época e, quem sabe, em todas as épocas.

A Iluminação não como prazer sensorial nem como algo que se possa falar sobre ou pensar sobre. Pois se pensarmos não atingiremos. Um estado de consciência extremamente sutil e profundo.

E é só através de acessarmos esta sutileza, clareza, profundidade que poderemos responder às nossas perguntas, que poderemos cessar as dúvidas e nos libertar.

Do que nos libertamos?

Das amarras do nascimento-morte.

Nos libertamos da vida-morte.

Pois penetramos o conhecimento de que tudo, a cada instante, está nascendo-morrendo e logo não há nascimento a ser desejado nem morte a ser rejeitada.

Mas, esse pensamento não é uma criação de Mestre Dogen. É uma releitura (religião = religare, relegere) dos ensinamentos clássicos, do fundador histórico do Budismo – Xaquiamuni Buda.

Buda, este nosso fundador, viveu na Índia. Era produto de sua época, mesmo que seus ensinamentos transcendam espaço e tempo. Nasceu Ksatrya, a casta dos guerreiros proprietários de terras. Era um jovem feliz, inteligente, culto, bom esportista, bom guerreiro, bonito, amado, casado, pai de um menino recém nascido.

Nada lhe faltava. Nem alimentos, nem amor, nem aprovação social. Poder-se-ia dizer que tinha tudo para ser completamente feliz. E era.

Mas também era curioso. Como viveriam as pessoas de outras castas, em outras circunstâncias que não a sua?

Fez, então, quatro excursões fora das áreas reservadas aos nobres e se surpreendeu encontrando a pobreza, a velhice, a doença e a morte.

Sim, a morte o surpreende e maravilha. Corpos cremados à beira do Rio Ganges, derretendo pele, corpos, ossos, sentimentos, sensações, alegrias, tristezas. E procurando respostas à inquietação que o assalta, segue o exemplo dos sadhus – os renunciantes – e renuncia a todas suas alegrias, prazeres, amores, ternuras.

Corta os longos cabelos – símbolo da casta – e assim, sendo um ninguém, um renunciante, um sem casta, adentra as montanhas. Encontra grandes mestres, pratica diligentemente, mas ainda não penetra a iluminação, a liberdade da sabedoria suprema.

Senta-se, então em Zazen. A meditação de todos e todas Budas.

Senta-se e percorre as encruzilhadas dos pensamentos, dos desejos, das aversões, das ansiedades, das aflições.

Percorre a própria mente.

Morre.

Morre para a idéia de um eu separado e único. Morre para as tentações dos prazeres sensoriais e das competições intelectuais. Morre para o mundano e atravessa o rio de nascimento e morte em grande tranqüilidade. Chega à margem de Nirvana, paz plena de conhecimento e compaixão.

Durante 49 anos ensinou a inúmeras criaturas o Caminho da Iluminação e da libertação. Todos que deveriam ser despertos assim o foram. E, no dia que hoje chamamos de 15 de fevereiro, entre duas árvores, fez seu último ensinamento e tranquilamente penetrou o Parinirvana. Não dizemos que Buda morreu. Buda não morre. Buda adentra o Nirvana final. A grande tranqüilidade.

Antes de silenciar disse a seus alunos e pessoas presentes

“Façam do Darma o seu mestre e eu viverei para sempre.”

Darma significa a Lei Verdadeira. O que move o céu e a terra, os pensamentos e as ações, a vida-morte.

Buda pediu a seus alunos e alunas que não se lamentassem pois o corpo é descartável, mas os ensinamentos da verdade não.

Seu corpo humano foi cremado e suas cinzas guardadas em várias urnas. As relíquias sagradas. Disputadas por vários reinos. Sentiam-se abençoados em ter os restos mortais de um Buda em suas terras. Traria bem aventurança, pois havia sido um grande renunciante, um santo, um sábio.

E foi este Buda Histórico, -Xaquiamuni Buda (em inglês Shakyamuni Buddha), quem disse: o ensinamento supremo é livre do nascer e do morrer.

A Índia, berço de inúmeras tradições religiosas, estava, na época de Buda, dividida em um sistema de castas rígido, o qual se baseava na crença em reencarnações.

Buda nega esse sistema e afirma:

Um brâmane não o é por nascimento, mas por suas palavras, gestos e pensamentos.

Contrariando a maneira tradicional indiana de compreender vida-morte, Buda nos deixa conceitos básicos de que tudo está interligado, interconectado numa teia de causas, condições, efeitos.

Nada surge por si só.

E tudo está incessantemente se transformando.

Somos essa transformação.

Em cada instante nascem e morrem células em nosso corpo.

No corpo Terra nascimento-morte é incessante. No corpo universo ou multiverso, pluriverso, também. É impossível cessar o movimento, a atividade.

Mas nós humanos temos a condição de compreender um pouco além de nós mesmos. Acessar a essa sabedoria é encontrar a libertação do ciclo de nascimento-velhice-doença-morte.

Libertar-se da morte é entrega e aceitação.

Isso não significa que as pessoas não devem procurar todos os meios de minimizar sofrimento e dor e tentar viver o mais tempo possível. Significa compreender que vida-morte são uma unidade.

Ora, o que é muito interessante ao ler os textos clássicos do Budismo (isso quero dizer os textos mais antigos e reconhecidos como autênticos) encontramos entre eles as chamadas lendas Jetavana, que seriam histórias das vidas anteriores de Buda. Vidas nas quais ele teria criado causas e condições propícias para vir a se tornar um Buda.

“Vida-morte é a vida de Buda.

Se você se apegar a um aspecto ou se rejeitar o outro perderá Buda.

Quando não houver nem apego nem aversão você é capaz de penetrar a mente-coração Buda pela primeira vez. Mas não avalie isto intelectualmente nem explique com palavras. Quando você transcende corpo-mente penetra no nível Buda. Buda age em você e você tendo fé em Buda, reconhece em si mesma (o) Buda liberta (o) dos sofrimentos de nascimento-morte, sem esforço, sem ansiedade.” (Mestre Zen Eihei Dogen, Soto Zen no Japão no século XIII)

A vida é um período em si mesma e a morte é um período em si mesma.

Assim como a cinza não volta a ser brasa, a morte não volta a ser vida.

Em cada instante perene e eterno vida-morte se manifestam em atividade incessante.

Quando a vida se manifesta tudo é vida. Existência absoluta, presente, passada e futura, começo, meio e fim. Assim sendo é chamada de não nascida – existência completa.

Cessação da vida também é existência absoluta e tem seu passado e seu futuro. Assim sendo destruição é chamada de não destruição.

A vida não se transforma em morte, da mesma maneira que a Primavera não se transforma em Verão.

A Primavera é um período em si mesma. O Verão um período em si mesmo.

Quando falamos vida tudo que existe é apenas vida.

Quando falamos em morte, tudo que existe é apenas morte.

Na vida somos vida, na morte somos morte. Sem desejar uma, sem odiar a outra.

Assim a Vida é um período, com princípio meio e fim. A Morte é um período tendo princípio, meio e fim.

Vida-morte é um continuum incessante de transformação sem uma entidade fixa ou permanente.

Mestre Dogen rejeita a idéia dualista de corpo e alma, assim como qualquer pensamento dualista é por ele rejeitado.

Buda também rejeitou a versão de uma alma permanente – conhecida no Budismo como a Heresia de Senika, cujas raízes estão nos Upanishads, texto hinduísta antigo – e também combateu a idéia que tudo terminaria com a morte, nada mais havendo – o nihilismo materialista.

Se acreditamos na Lei da Causalidade, as causas e condições de uma vida não se extinguem ao fim de uma vida.

Joan Stambaugh, professora catedrática de Filosofia no Hunter College da Universidade da Cidade de Nova Iorque, escreveu no capítulo Nascimento e Morte do seu livro Impermanência é Natureza Buda:

A questão se a alma continua a existir ou não após a morte pressupõe que nascimento é o princípio de um processo contínuo, vida, e que a morte é o fim. Se não aceitarmos este ponto de vista de que a vida é uma duração do tempo, iremos encontrar uma maneira diferente de questionar vida e morte.

Vida não é o princípio de um processo. Morte não é o fim do processo. Colocando de outra maneira, o “processo”, o que está acontecendo, é concebido de maneira errada. Na verdade, é suficiente dizer que é concebido, isto é, distorcido por nossa camada conceitual.

Mestre Dogen, no capítulo Shoji – Vida-Morte, de sua obra Shobogenzo escreveu:

A vida é contida na morte e a morte contida na vida. Ainda assim vida é vida e morte é morte. Isto quer dizer, esses elementos são independentes em si mesmos e ficam sós, sem requerer qualquer existência ou referencia fora de si mesmos. Pessoas comuns pensam da vida como algo assim como um carvalho (começa com uma semente, cresce e morre) e pensam na morte como algo que não mais se move. Entretanto, assim como o conceito de um carvalho se diferencia da árvore real, as idéias sobre a vida geralmente conflitam com a própria vida. Na compreensão verdadeira, a vida nunca é um obstáculo. A vida não é a primeira atividade e a morte a segunda. A vida não é relativa à morte, nem a morte à vida.

A relação (ou não-relação) de vida e morte tem a ver com estar presente

(viver ou morrer) na situação-darma*. Na situação deste átimo de segundo, deste instante, sem antes nem depois. Sendo o Tempo. Quando a compreensão vida-morte é desnudada dos conceitos de duração de tempo estaremos lidando com o ser tempo. Somos o tempo. Somos a vida. Somos a morte.

Cada ser humano é um agregado de cinco elementos: forma física, sensações, percepções, conexões mentais e vários níveis de consciência. A forma física é formada pelos cinco elementos, que constituem toda a vida do céu e da terra. Causas e condições propícias e uma forma se manifesta. Causas e condições se transformam e as formas se transformam.

A mente, os vários níveis de consciência, igualmente estão neste constante fluir dependendo de causas e condições.

Quando nasce uma criança fazemos uma celebração. Ritual de dar boas vindas. Em vários momentos da vida há rituais que marcam estágios da existência. No final da vida os rituais também são muito importantes e significativos.

A pessoa que está no final da vida, evidentemente, sabe que está no final. Nós somos a vida deste corpo-mente.

Entretanto podemos não nos aperceber por uma interpretação errônea de uma consciência chamada de intermediária, que transmite informações da consciência central - que tudo sabe, que tudo permeia, que tudo coordena, que tudo memoriza, chamada de alaya shiki ou consciência armazenadora - para a consciência que rege ou coordena as consciências relacionadas aos cinco órgãos dos sentidos.

Esse nível de consciência intermediária, que também leva informações dos órgãos dos sentidos para a consciência armazenadora, pode interpretar erroneamente as mensagens, causando assim distorções no sistema de compreensão.

Esse erro de interpretação pode causar muito sofrimento, dor e até mesmo idéias falsas de si mesmo, como a de considerar que temos em nós uma entidade eterna.

E a pessoa pode pensar que não está morrendo.

Então, o ritual correto é fazer ver ao moribundo que está morrendo. Não há nada a esconder nesse momento. Somos um processo em transformação.

Vida-morte é um processo incessante de transformação.

O ritual do fim da vida é importante. Para os que morrem, para os que vivem.

Fechamos um círculo. Para nós budistas esse círculo leva 49 dias após o óbito.

Morrer é como adentrar outra dimensão, como ir fazer uma viagem a lugares novos e desconhecidos. Ao mesmo tempo esses lugares são familiares. Conforme o carma – ações que deixam marcas, impressões na realidade – abrem-se mundos diversos para a pessoa que está deixando a vida. Podem ser universos de luz e alegria, podem ser de sofrimento e dor, podem ser campos, animais, plantas belíssimas ou cenários aterrorizadores. Nesse momento dizemos à pessoa que tudo surge de sua própria mente. Que não se atemorize. Que compreenda e, sem apegos e sem aversões, vá à luz infinita, liberte-se da vida e da morte.

Acreditamos que se houver o verdadeiro arrependimento por ações, palavras e pensamentos prejudiciais cometidos em qualquer época, os mundos de sofrimento e dor se transformam em esferas de harmonia.

Assim, o ritual de despedir-se é muito importante. Inclui o arrependimento e a entrega a Buda. É preciso terminar bem o livro desta vida. Livro com prefácio, vários capítulos e um final. Esse final é um outro começo, de outro livro, com outro título e outras inúmeras possibilidades.

Não é o mesmo livro, nem o mesmo personagem, mas outro livro.

Como ondas no mar.

Tudo é o oceano, que recebeu águas de inúmeros rios. Causas e condições formam ondas. Cada onda como se fosse uma existência. Cada uma interdepende da outra, mas não é a outra. Interligadas e ao mesmo tempo únicas. Transformando-se a todo instante. As causas e condições de uma onda se tornam efeitos em outras e assim por diante.

Mas cada uma tem começo, meio e fim.

Felizes os que conscientemente podem morrer.

Orando e agradecendo a vida. Abençoando e se despedindo com ternura dos que ficam. Entregando-se à experiência seguinte, sem apegos e sem aversões.
O filme traduzido ao Português como A Partida”, que recebeu o Oscar em 2009, chamado em Japonês de Okuri hito ou Okuribito – a pessoa que encaminha – é um filme muito interessante sobre os cuidados com o morto, com a morta, numa área rural ao norte do Japao. Não apenas um corpo, um lixo a ser descartado, saindo pelas portas dos fundos dos hospitais e das casas.

Mas um corpo sagrado, chamado de Hotoke – o mesmo que Buda.

Esse corpo sagrado, que viveu uma existência, precisa ser tamponado de forma cuidadosa e amorosa. O ritual feito em frente aos familiares, a troca de roupas, a maquiagem, o rosto voltando a ter a fisionomia corada da vida. A despedida, a cremação.

Na cerimônia religiosa budista, pode ser feito tanto no velório (chamado de O Tsuya – Noite do Orvalho) ou na própria cerimônia fúnebre, é entoado o poema do arrependimento:

Todo carma prejudicial alguma vez cometido por mim

Devido minha ganância, raiva e ignorância

Nascido de meu corpo, boca e mente

Agora, de tudo, me arrependo

Arrepender-se é transformar-se, é purificar-se. Depois do arrependimento é feito o refúgio nas Três Jóias, os Três Tesouros budistas: Buda, Darma e Sanga.

Buda, o ser iluminado, a sabedoria suprema.

Darma, a Lei verdadeira, a Verdade Superior.

Sanga, a comunidade em harmonia.

Um não existe sem o outro. Nessa trindade confiamos e a essa trindade retornamos e nos entregamos, na certeza que nos acolhe e protege.

Assim, os mortos são encaminhados e sempre rezados, até 49 dias, quando acreditamos completar um ciclo vida-morte.

Se o budismo tibetano fala de 49 bardos, 49 estágios intermediários apos a morte, o budismo japonês também fala de 49 dias de transmigração, de passagem, encerramento de um ciclo vida-morte. Assim sendo, uma vida poderia ter durado um dia ou cem anos, mas o período morte corresponderia sempre a apenas 49 dias humanos. Após 49 dias a morte deixa de ser, a morte morre.

Quando a morte termina, a vida começa. Mas não a mesma vida, nem a mesma morte. Nada jamais se repete.

No Japão, continuamos orando depois desses quarenta e nove dias. As cerimônias são de cem dias, um ano, três anos, cinco anos, sete anos, treze anos, dezessete anos, vinte e três anos, vinte e cinco anos e assim por diante até os cinqüenta anos do falecimento. Se a família se manteve unida por cinqüenta anos, orando por um ancestral, dizemos e que esse/a ancestral se tornou um anjo/a da guarda e que protegerá seus/suas descendentes.

Preparar-se para a morte é preparar-se para a vida. É estar pronta a cada instante, fazendo o melhor de si a cada momento. Pois nunca sabemos quando e onde as causas e condições que tornam possível nossa vida serão rompidas.

Aos que se vão abruptamente agradecemos a vida que compartilharam, quer tenha sido de um dia, de meses, ou de muitos anos.

E que possam seguir em paz, tranqüilidade, e que nós, que aqui ficamos, completaremos o que tenha de ser completado na ternura e no cuidado do amor que desconhece fronteiras.

Todo o processo de finalização da vida é murmurado, orado, abençoando e invocam-se a presença, a luz, a serenidade dos seres sábios, iluminados e benfazejos - Budas e Bodisatvas – para que mostrem o Caminho da Luz Infinita.

Sem medo e sem expectativas fantásticas.

Não há exclusões ou discriminações – os serviços religiosos são feitos para qualquer pessoa, quer sua morte tenha sido provocada intencionalmente ou não. Isso inclui suicidas, assassinatos, acidentados, abortos, além da morte natural por velhice ou doença.

Em vida, vivemos. Somos a vida.

Quando a morte chega, penetramos a morte. Somos a morte.

Budismo interpreta a existência humana como vida-morte e não apenas como algo que vai morrer. Assim vida e morte não estão em oposição. A morte não precisa ser vencida, superada. Mas, a libertação é do nascimento-morte ao invés de ser uma conquista da morte. O objetivo não é a imortalidade e a vida eterna através da conquista a morte, mas o não nascido e o não morto - estado de nirvana realizado diretamente e através da vida-morte pela libertação da própria vida-morte. Este é o ponto fundamental.

Nesta perspectiva há uma completa e pura realização liberta de qualquer antropocentrismo. Todos os seres são a entidade integrada da natureza Buda. Quando Xaquiamuni Buda teve sua experiência mística, a libertação da vida-morte, exclamou:

Eu, a grande Terra e todos os seres juntos, simultaneamente, nos tornamos o Caminho.

Este estado de não dualidade, de integridade é que o monge vietnamita Thich Nath Hahn, fundador de Plum Village, na França, chama de interser. Intersomos. Tudo existe em um processo incessante de surgir e desaparecer. Todos interligados, interconectados a todos, na grande web, teia, rede da existência.

Vida-morte são em si mesmo Nirvana.

Sem vida a ser desejada sem morte a ser rejeitada.

(Nirvana é a grande paz sábia, grande tranqüilidade, o extinguir das aflições e das dúvidas – é o estado de libertação de todos os Budas, de todas as Budas).

Que possamos todos nos tornar o Caminho Iluminado.

Apreciando a vida-morte.

Maha Prajna Paramita (Grande Sabedoria Completa).

 
* Darma de Buda – se refere aos ensinamentos de Buda. Darma com letra maiúscula sempre se refere à Verdade Suprema. Darma com letra minúscula (sua posição no darma) significa todo e qualquer fenômeno.

BIBLIOGRAFIA

Abe, Masao – A Study of Dogen, his Philosophy and Religion – State of New York University Press, Albany US 1992

Buda Xaquiamuni – Breve Parnirvana Sutra

Dogen, Eihei – Shobogenzo

Kim, Hee Jin – Dogen Kigen – Mystical Realist – The Association for Asian Studies – The University of Arixona Press, tucson, Arizona – 1980

Stambaugh, Joan – Impermanence is Buddha Nature – University of Hawaii Press – Honolulu - 1990

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Agenda 2013 - Retorno da prática aos Sábados!!!


Queridos amigos e amigas, irmãos e irmãs,

é com entusiasmo e alegria que informamos que além das terças-feiras teremos também os sábados para meditar e estudar, sempre as 8:00 da manhã.

Nossa agenda de prática ficou assim:

Terças-feiras - 20:00 - meditação e leitura

Sábados - 08:00 - meditação e leitura!!!

Lembrando sempre que estas atividades são gratuitas e abertas a todos os interessados. Sejam todos bem vindos, bienvenidos, haribol, namastê!

Muita paz!!!

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Feliz Continuidade - Retorno das Atividades 2013


Queridos amigos e amigas,

é com plena atenção e contentamento que informamos que amanhã, 15.01.13 (terça-feira), estaremos reiniciando as atividades de estudo e prática de meditação da Associação Meditar de Cuiabá.

Enfatizamos, que as atividades promovidas são gratuitas e aberta a todos os interessados. Para tanto, sejam todos bem-vindos, bienvenidos, welcome, namastê!

Nossos encontros ocorrem sempre na Academia Ligia Prieto, localizada na Avenida Ministro João Alberto, n. 137 - Araés - Cuiabá - MT.
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Um grande abraço aos velhos e novos amigos e amigas.

Informações:
Ligia - (65) 3052-6634
Ivan - (65) 8143-4379

sábado, 12 de janeiro de 2013

Ensinamento: A Medicina do Altruísmo


Por Dalai Lama

No Tibet nós dizemos que muitas doenças podem ser curadas pela medicina do amor e da compaixão. O amor e a compaixão são a base estrutural da felicidade humana e a sua necessidade se encontra no núcleo de nosso ser. Infelizmente há muito tempo o amor e a compaixão vêm sendo omitidos das esferas de interação social. Atualmente estes valores são vividos na família e no lar, e seu uso na vida pública é considerado impraticável e até ingênuo. Isto é trágico. No meu ponto de vista, a prática da compaixão não é simplesmente um sintoma de idealismo não realista, mas o caminho mais eficiente de dedicar-se com afinco aos interesses dos outros do mesmo modo como nos dedicamos aos nossos. Quanto mais nós — como uma nação, um grupo ou indivíduos — dependermos um dos outros, maior deverá ser o interesse em assegurarmos o bem estar uns dos outros.

Praticar o altruísmo é a real fonte de compromisso e cooperação; somente reconhecer a nossa necessidade de harmonia não é o suficiente. Uma mente comprometida com a compaixão é como um reservatório que está transbordando — é uma fonte constante de energia, determinação e bondade. É como uma semente; quando cultivada germina muitas outras boas qualidades, tais como o perdão, a tolerância, a força interna e a confiança para superar o medo e a insegurança. A mente de compaixão é como um elixir; é capaz de transformar uma má situação em uma situação benéfica. Consequentemente, nós não devemos limitar nossa expressão de amor e compaixão à nossa família e amigos. A compaixão não é somente uma responsabilidade do sacerdócio, da medicina e de trabalhadores sociais. É o empreendimento necessário em todas as esferas da comunidade humana.

Se um conflito se encontra no campo da política, negócios ou religião, a abordagem altruísta é frequentemente o único meio de resolvê-lo. Às vezes os muitos conceitos que usamos para mediar uma disputa são os mesmos que causaram o problema. Nesse caso, quando uma resolução parece ser impossível, ambos os lados deveriam recordar da natureza humana básica que as une. Isto ajudará a quebrar o impasse e em longo prazo, ficará mais fácil para que todos alcancem seu objetivo. Embora nenhum lado possa ficar inteiramente satisfeito, se ambos fizerem concessões, no mínimo, o perigo de um conflito adicional estará prevenido. Nós sabemos que esta forma de acordo é a maneira mais eficaz de resolver problemas — por que, então, nós não a usamos mais frequentemente?

Quando eu levo em consideração a falta da cooperação na sociedade humana, eu concluo que ela se origina na ignorância de nossa natureza interdependente. Eu sou freqüentemente comovido pelo exemplo dos pequenos insetos, como as abelhas. A lei da natureza dita que as abelhas trabalhem juntas a fim de sobreviver. Como consequência, elas possuem um sentido instintivo de responsabilidade social. Elas não têm nenhuma constituição, leis, polícia, religião ou treinamento moral, mas por causa de sua natureza trabalham fielmente juntas. Ocasionalmente elas lutam, mas no geral a colônia inteira sobrevive baseada na cooperação. Os seres humanos, ao contrário, têm constituições, amplos sistemas legais e forças policiais; nós temos religião, uma inteligência notável e um coração com grande capacidade de amar. Mas apesar de termos muitas qualidades extraordinárias, na prática ficamos para trás em relação àqueles insetos pequenos; de alguma forma, eu sinto que nós somos mais pobres do que as abelhas.

Por exemplo, milhões de pessoas vivem juntas em cidades grandes por todo o mundo, mas apesar desta proximidade muitos são sós. Alguns não têm nem mesmo um ser humano com quem compartilhar seus sentimentos mais profundos e vivem em um estado de perturbação perpétua. Isto é muito triste. Nós não somos animais solitários que nos envolvemos com alguém somente a fim de se reproduzir. Se fôssemos, por que construiríamos centros e cidades grandes? Mas mesmo sendo animais sociais obrigados a viver juntos, infelizmente nos falta o sentido de responsabilidade com nossos companheiros seres humanos. Será que a falha se encontra em nossa arquitetura social — a estrutura básica da família e da comunidade em que se baseiam nossa sociedade? Será que a falha está em nossas facilidades exteriores — nossas máquinas, ciência e tecnologia? Eu acho que não.

Eu acredito que apesar dos rápidos avanços feitos pela civilização neste século, a causa mais próxima de nosso dilema atual é a nossa ênfase excessiva no desenvolvimento material. Nós tornamo-nos tão absortos em sua perseguição que, mesmo sem saber, nós negligenciamos o desenvolvimento das necessidades humanas mais básicas de amor, da bondade, da cooperação e do afeto. Se não conhecemos alguém ou não nos sentimos conectados a um indivíduo ou grupo particular, nós simplesmente os ignoramos. Mas o desenvolvimento da sociedade humana é completamente baseado nas pessoas que se ajudam. Uma vez que perdemos a essência da nossa humanidade, ficamos destinados a perseguir somente o desenvolvimento material.

Para mim, está claro: um verdadeiro sentimento de responsabilidade pode originar-se somente se nós desenvolvermos a compaixão. Somente um sentimento espontâneo de empatia pelos outros pode realmente nos motivar para agirmos em favor dos interesses deles.

Extraído do site: http://www.dalailama.org.br/home/

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Toda a beleza das flores se abrindo....

Morando feliz no momento presente

Por Thich Nhat Hanh

Plena atenção é o patrimônio mais precioso que podemos ter, torna o amor, felicidade e muitas outras dádivas possíveis para nós mesmos e para os outros. Mas não está a venda em nenhuma loja e não importa quanto dinheiro estivermos dispostos a pagar por ela. Temos que produzi-la nós mesmos.

Não podemos apenas ir para uma loja e comprar um pouco de plena atenção e trazer para nossa casa conosco, mas podemos e realmente queremos levar nossa plena atenção conosco quando formos às compras. Já sabemos que queremos consumir apenas coisas que nos tragam alegria e saúde para nós mesmos e para nossa sociedade, e precisamos da energia da plena atenção para nos manter nos trilhos enquanto passamos por um anúncio tentador atrás do outro.

Plena atenção nos ajuda a reconhecer – mais e mais claramente quanto mais praticamos – quais coisas realmente precisamos e queremos na nossa vida, e que coisas podemos viver sem. Somos capazes de gastar menos dinheiro em coisas, sem sacrificar em nada nossa felicidade. Na verdade, temos mais felicidade porque podemos ter um trabalho menos estressante e mais agradável quando não estamos sob pressão financeira de constantemente ter que comprar casas e carros maiores e mais sofisticados entre outras coisas.

Portanto você precisa comprar algumas coisas e não tem muito tempo para isso. Como você pode ficar presente e não ser seduzido por anúncios inteligentes? Como você pode escolher produtos que não comprometam sua saúde e não promovam a exploração de trabalhadores e animais no nosso planeta?

Se você estiver comprando em uma loja ou pela internet, tente não fazer isso quando estiver com fome, cansado ou distraído. Faça uma lista prévia das coisas que precisa. O pouco tempo que você gastará para isso será mais que compensado pelo tempo que será economizado por não ter que debater se compra coisas adicionais que não precisa e mesmo talvez nem precise. Antes do caixa, gaste um momento olhando novamente para as coisas na sua cesta e pergunte-se honestamente: ~Realmente eu preciso disto? Comprar isso me trará mais felicidade que dar esse dinheiro para aliviar o sofrimento de outro ser humano?”

Respirando e andando com consciência gera a energia de plena atenção. Esta energia traz nossa mente de volta ao nosso corpo para que estejamos realmente aqui no momento presente e em contato com as maravilhas da vida que existem dentro de nós e ao nosso redor. Se pudermos reconhecer essas maravilhas, teremos felicidade imediatamente. Totalmente disponíveis ao momento presente, descobrimos que temos já condições suficientes para sermos felizes – mais que suficientes, na verdade. Não precisamos procurar por nada a mais no futuro ou em algum outro lugar. Isto é o que chamamos de morar no momento presente.

O Buda ensinou que cada um de nós pode viver feliz bem no aqui e agora. Quando temos felicidade no momento presente, podemos parar, não precisamos perseguir mais nenhum objeto do desejo. Nossa mente está calma. Quando nossa mente ainda não está calma, quando ainda está agitada, não podemos realmente ser felizes.

Nossa felicidade ou falta de felicidade depende em maior parte do estado de nossa mente, não de algo externo. É nossa própria atitude, a maneira como olhamos para as coisas, nossa abordagem com relação a vida que determina se somos felizes ou não. Já estamos cheios de condições para sermos felizes, então porque temos que ir procurar por mais? Precisamos parar e não perseguir outra tentação – este é o caminho mais sábio. De outro modo, continuamos perseguindo este objetivo ou aquele, mas cada vez que o obtemos, achamos que ainda não somos felizes.

Um dia quando o Buda estava indo falar no monastério de Jeta Grove, seu discípulo leigo Anathapindika, um homem de negócios, trouxe algumas centenas de colegas com ele para ouvir a fala do Buda. O Buda os ensinou a prática de habitar feliz no momento presente. É claro que podemos continuar fazendo negócios e podemos continuar a realizar sucesso crescente em nossa carreira, mas também deveríamos nos comprometer a viver plenamente conscientes de forma que possamos desfrutarmos a felicidade agora e não perder as preciosas oportunidades que a vida no oferece para amar e cuidar dos próximos e queridos. Se gastarmos nosso tempo apenas sobre o nosso futuro sucesso, completamente perderemos a vida, porque ela só pode ser encontrada no momento presente.

Deveríamos ser capazes de desfrutar as maravilhas da vida em nós e em todo lugar ao nosso redor. Os sussurros que o pinheiro nos traz. Flores brotando. O lindo céu azul. As nuvens brancas fofas. Um sorriso de um vizinho. Cada uma dessas coisas é um pequeno milagre da vida que tem a capacidade de nos nutrir e nos curar. Eles estão presentes para nós nesse exato momento. A questão é: nós estamos presentes para elas? Se estivermos constantemente correndo, se nossa mente é sempre capturada em planejamentos e preocupações sem fim, é como se essas maravilhas nem mesmo existissem.

O Reino de Deus, a terra Pura do Buda é bem aqui. Deveríamos praticar para desfrutar o reino a cada passo que dermos. Deveríamos desfrutar da felicidade exatamente agora, hoje, amanhã pode ser muito tarde. Há uma velha canção francesa que pergunta: “O que estamos estamos esperando para sermos felizes? Porque esperar para celebrar?” Meditação é a prática de viver profundamente cada momento da vida diária. Para fazer isso, precisamos ser capazes de gerar plena atenção e concentração com nossa respiração e nossos passos.

Plena atenção é estar consciente do que está acontecendo no momento presente, concentração é a manutenção dessa atenção. Com plena atenção e concentração podemos olhar em profundidade e entender o que está acontecendo. Podemos atravessar o véu da ignorância e ver claramente a verdadeira natureza da realidade e sermos libertados da ansiedade, medo, raiva e desespero. Isto é insight. Plena atenção, concentração e insight são a verdadeira essência da meditação.