Trecho do Livro de Thich Nhat Hanh “Keeping the Peace – Mindfulness and Public Service”, capítulo 8 - A Safe Place.
Tradução: Samuel Cavalcante
Tradução: Samuel Cavalcante
Em Plum Village, temos centenas de monges, monjas e leigos praticando juntos como um organismo. Nós temos um código de comportamento chamado de Treinamentos da Plena Consciência. Este código é tão antigo quanto o Buda e tem sido passado adiante por milhares de anos, mas não é imposto a nós por ninguém. É algo com o qual temos que concordar para a nossa própria felicidade.
Como um indivíduo, você tem que ter um código de comportamento para proteger a si mesmo. De maneira similar, sua família e seu local de trabalho também têm que ter algumas práticas de comum acordo para se protegerem enquanto família ou comunidade. Talvez vocês concordem em se sentarem juntos calmamente antes das refeições ou se sentar sozinho quando estiverem com raiva, antes de conversar com alguém. Esses acordos mútuos podem proteger e nutrir vocês mesmos, suas famílias ou sua comunidade de trabalho.
Para funcionar como um organismo, é necessário haver um comportamento que seja aceitável e desejável por todos. Você não pode apenas usar a autoridade de pai ou mãe para obrigar um filho a fazer alguma coisa. Se eles estão fazendo algo que está ferindo sua família, você tem que explicar isso com bondade. Você não pode simplesmente escrever algumas leis: tipo "Não volte para casa depois de tal e tal hora"; "você pode gastar somente esse tanto de dinheiro"; ou "quando eu falar com você, você tem que escutar e não replicar". Todas essas coisas podem ser de ajuda, mas não são suficientes. O código de comportamento tem que ser criado e praticado de tal modo que a comunicação entre todos na família seja possível e proveitosa.
É a mesma coisa no ambiente de trabalho. Só por que você supervisiona as pessoas no trabalho, dar ordens e forçá-las a obedecer não vai funcionar. Como professor, eu não uso a minha autoridade para forçar os meus estudantes a fazer o que eu quero. Não funciona. Ao invés disso, eu sento com meus estudantes e mostro a eles que seu comportamento ou ação negativa não está trazendo felicidade nem pra eles e nem pra comunidade.
Muitos de nós somos professores. A escola devia ser um lugar onde a prática da plena consciência pode ser um agente de proteção e cura. Muitos estudantes vêm de família e situações difíceis. Muitos professores têm suas próprias dificuldades e as levam para a sala de aula. Frequentemente, tanto os estudantes quanto os professores trazem os seus próprios problemas para a escola e aumentam o sofrimento uns dos outros. Para praticar a plena consciência é preciso ter um código de ética que crie um lugar seguro para a energia coletiva da plena consciência possa abraçar aqueles que estão sofrendo. É preciso muita paciência para aceitá-los e dar-lhes a chance de se transformarem.
Para mim, compreensão é o próprio fundamento do amor. Se você não compreender as dificuldades dos outros, seu sofrimento, dor e suas aspirações profundas, você não poderá cuidar deles e fazê-los feliz. É por isso que compreensão é amor. Você tem tempo para observar e compreender? Você compreende a si mesmo? Você compreende as raízes de seu próprio sofrimento, de sua própria tristeza e dor? Você sabe lidar consigo mesmo com solidariedade? Se você não souber lidar consigo mesmo com solidariedade, como poderá se relacionar com os outros com compreensão e solidariedade? Este é o tipo de prática que pode promover um código de comportamento que fará o ambiente de trabalho harmonioso, feliz e cheio de paz.
Por isso, professores, policiais, assistentes sociais e todos nós que estamos frequentemente em contato com pessoas que estão sofrendo, precisamos aprender a lidar com nossas próprias frustrações e raiva. Podemos dizer: "Inspirando, eu sei que a raiva está em mim. Expirando, abraço a minha raiva com carinho. Não devo fazer meus alunos ou clientes sofrer por causa da minha raiva, mesmo se alguns deles se comportarem de maneira violenta".
Mais Acordo, Menos Autoridade
Quando um jovem policial diz "Eu adoro ser tira", pode ser que ele simplesmente goste de seu trabalho como policial e queira ajudar as pessoas. Mas pode ser também que ele goste da autoridade que possui. As pessoas o respeitam como policial e ele usufrui dessa situação. Mas se ele não praticar, mais tarde ele irá sofrer. O treinamento de um policial deveria incluir um treinamento sobre como não identificar-se, o seu ego, com o poder a ele conferido. Isto é muito importante.
Se você estiver treinando policiais, professores ou qualquer outra pessoa em posição de autoridade, você deveria deixar claro, desde o início, que a autoridade não está aí para ser motivo de abuso.
Especialmente nos países budistas, os monges são tratados com muita reverência e respeito. Se não praticarmos a compreensão de que não somos nossos trajes, que não somos autoridades, cairemos vítimas de nossos egos e faremos sofrer a nós e a nossa comunidade. Teremos falhado em nossas vidas como monges. O traje de um monge representa o Dharma. Quando você se torna um monge, você toma os votos de incorporar em si o Dharma, de fazer do Dharma o objeto absoluto de sua vida. Se alguém reverencia você, se alguma pessoa demonstra por você um extremo respeito, não pense que ela está venerando você, o seu ego. Se você pensar assim, você estará perdido. Às vezes, milhares de pessoas se inclinam com extrema reverência a mim. Por causa da plena consciência, eu sei que eles estão reverenciando o Dharma. Eles estão reverenciando o bom, o belo e o verdadeiro. Não estão reverenciando o meu ego. Assim eu permaneço livre. Eu me protejo com a energia da plena consciência. Se eu for pego em orgulho, se eu tiver um pensamento errôneo, uma compreensão errônea, uma percepção errônea de sua veneração, eu morrerei enquanto monge.
Cada vez que um jovem se torna monge ou monja é dado a ele ou ela um traje para vestir - imediatamente eu digo para que ele ou ela pratiquem o ato de soltar-se do ego. Se você se veste em trajes de monge, você será objeto de veneração e respeito para muitas pessoas. Não pense que eles estão mostrando respeito e veneração ao seu ego. Não. Você pode ter ainda muita raiva, ignorância e aversão em você. Eles não estão reverenciando seu ego, mas o símbolo de verdade e beleza que você representa. Mas não diga "Não, não sou digno de seu respeito". Você não tem direito de dizer isso porque você está trajando vestes de monge. Assim, a única coisa que você pode fazer é se sentar muito calmamente, inspirando e expirando, e percebendo que eles estão reverenciando a verdade, a beleza e o Dharma e você estará a salvo.
Quando você veste uma roupa de monge, torna-se um símbolo do Dharma, assim como quando você põe uma farda de policial se transforma em um símbolo da lei, ou quando você se senta atrás de um birô de professor você se transforma em um símbolo de autoridade. Isto pode ser um perigo, mas também dá a você a chance de pensar um modo de trabalhar com as pessoas para criar um código de ética em uma comunidade.
Se vocês estiverem treinando policiais, professores, médicos ou assistentes sociais, por favor, digam de antemão que se as outras pessoas demonstram muito respeito e temor, na verdade demonstram isso para a lei, para a medicina, para a educação. Eles estão demonstrando respeito a um código de conduta e não a você como um indivíduo. Se você sente que as pessoas demonstram deferência, mas você aprecia da maneira errada, você sofrerá mais tarde e o sofrimento poderá se espalhar pelo seu departamento ou pela sua família.
Isso não significa que você não possa apreciar o fato de ser uma pessoa que serve à sociedade. O poder foi conferido a você para que você possa ser útil. Você pode ajudar a proteger as pessoas, oferecer a elas segurança e ajudá-las a curar a violência nelas mesmas, de modo que elas não a usarão para atacar. Aquela pessoa que carrega uma arma e está prestes a dar um tiro é também objeto de seu serviço. Se você puder evitar que ela ou ele atire estará fazendo um bom serviço. E você o faz com solidariedade. Você não os considera seus inimigos. Se você os considerar seus inimigos, isto não estará na linha do pensamento correto. Você não serve apenas aos cidadãos pacíficos, mas também aos criminosos em potencial. Seu trabalho é evitar a violência.
Se você se engajar numa disputa de poder com aqueles os quais você serve, jamais poderá undi-los de maneira feliz, enquanto comunidade. Se você deixar de lado esta necessidade de autoridade, tornar-se-á possível para policiais, professores, agentes prisionais, viverem felizes enquanto escola, departamente, comunidade e apreciar a compreensão e o apoio das pessoas de fora.
Como criar um código de ética mútuo com aqueles aos quais você serve? Deveria haver um tempo para professores e estudantes sentarem juntos para conversar sobre suas dificuldades e sofrimento. A compreensão mútua removerá a raiva e a aversão - e professores e estudantes se comportarão como membros de uma mesma família. Transformação e cura poderão ser possíveis na escola, pois a escola se tornou o lugar para uma segunda chance, uma segunda família. Se professores e alunos tiverem sucesso, serão capazes de levar a cura para casa e para a suas famílias.
Isto é mais difícil de fazer em profissões do tipo policial, mas é possível. Imagino que o departamento de polícia pode organizar sessões de casa aberta e convidar as pessoas da sua área para vir e se encontrar como seres humanos, capazes de dançar, cantar, ser gentis e felizes. As revistas dos departamentos de polícia deviam ser cheias de artigos positivos, estórias e poemas para que a compreensão mútua surja entre os policiais e as pessoas às quais servem. E acho que nós, como civis, deveríamos organizar, de vez em quando, uma festa e convidar nossos policiais a vir e apreciar um concerto, música, dança, para que possamos ver a humanidade do policial. Isto é muito importante.
Não é impossível. Uma vez que os tenhamos visto enquanto seres humanos, poderemos perceber que compartilhamos objetivos, esperança e ética.
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