Texto da Monja Coen publicado no
jornal O Globo de 18/09/2014
As eleições também se dão em casa, onde ficamos nos
exibindo para ganhar os corações daqueles com quem nos relacionamos.
Equinócio de equidade. Dia e noite com a mesma
duração. Equidade mental — os opostos têm o mesmo valor.
Eleições na primavera — opositores se equivalem?
Travessia de ir e vir, de atravessar sem que uma pessoa atravesse o caminho da
outra ou mostre o avesso, o revés.
Eleições de avessos que se avessam.
Como ainda estamos distante de um ideal
civilizatório de equidade e respeito!
O equinócio de setembro marca o início da primavera
no Hemisfério Sul e o início do outono no Norte. É um momento em que nós, budistas,
celebramos a equidade entre dia e noite, o que nos facilita a travessia do
caudaloso (confuso, cheio de entulhos, lixo, poluição — algumas vezes seco,
rachado, furado, fétido, outras vezes molhado, coberto, cheiroso, ardiloso com
redemoinhos e pedras submersas, escondidas, que podem furar o barco) rio da
vida-morte.
Atravessar o rio é simbólico de perceber que
estamos na margem do sofrimento, da ignorância, envenenados pela ganância e
pela raiva.
Reconhecemos essa margem? Aflições, ansiedades,
medos, desgraças? Os venenos que impedem a mente de ter sensações, percepções,
conexões neurais e consciência leves e claras. Como águas poluídas, a mente
fica turva, confusa, capaz de improbidades para obter sucesso, ganhar votos,
eleger-se.
As eleições não são apenas presidenciais, de
senado, assembleias, governos estaduais. As eleições se dão em casa — pessoas
lutando pelos votos das famílias. Tanto um querendo ganhar o voto do outro,
como também dos filhos, dos amigos, dos vizinhos, dos avós. Incessante.
Ficamos nos exibindo, contando vantagens (ou
contando desvantagens — outra forma de se vangloriar) para obter aplausos,
votos, para sermos eleitos aos corações e atenções das outras pessoas com quem
nos relacionamos.
Funciona no trabalho, na rua, no trânsito, no
Facebook, no Twitter. Funciona tanto na terra como nos céus. Queremos os votos
de confiança, respeito e apoio de Budas, Bodisatvas, Santos, Santas, Profetas,
Pastores, Divindades.
Queremos o apoio dos filósofos e dos sábios, bem
com dos incultos e dos tolos. Queremos até os mornos.
Nossa carência e insuficiência se revelam no
insulto, no rebaixar os outros, no ataque raivoso, dedo em riste.
Que triste.
Quisera poder viver um tempo de anistia, um tempo
de alegria, um tempo de paz.
Tempo de atravessar desta margem confusa e
agressiva, de tanta falsidade que duvidamos da dúvida — pois ninguém mais é
confiável. Nem mesmo a mídia, nem mesmo eu.
Atravessar para a margem da tranquilidade, pegar o
barco seguro da verdade e da ética. Chegar lá — que é aqui. Chegar onde se
chega com ternura, com respeito, com brandura, sem luta, sem nenhuma luta.
Chega-se de manso, de leve, com trabalho,
perseverança. Chega-se pensando no bem maior do grande Eu. Inclusão, alimentos,
escolaridade, saúde.
Sem pilhérias, sem misérias.
Aqui e acolá. No planeta, nosso corpo comum.
Sem mais guerras, sem decapitações, sem ataques,
sem mutilações.
Quero ver o mundo despertar dessa dormência tola e
se unir em projetos que beneficiem a todos.
Isso é travessia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário