Pergunta:
Por que praticar a plena consciência é tão importante?
Thich
Nhat Hanh: Todo mundo é capaz de estar atento. Todos são conscientes em certa
medida. A questão é como ser mais consciente. Muitas pessoas se perdem na
preocupação com o futuro e arrependimentos sobre o passado. Eles são apanhados
em seus projetos e fantasias e suas mentes não estão ligadas a seus corpos. Se
o corpo não está unido com a mente, não estamos realmente vivos. O andar atento
e o respirar conscientemente ajudam a trazer a mente de volta para o corpo,
para que possamos estar verdadeiramente presente no aqui e agora e nos
tornarmos realmente vivos.
Praticar
a consciência pode ser uma espécie de ressurreição, de repente, você se torna
vivo novamente. Plena consciência (mindfulness) aumenta a concentração e
permite-nos ver as coisas mais profundamente e deixamos de ser vítimas de
percepções erradas. Nós vamos criar menos sofrimento para nós e para outras
pessoas. Vamos começar a saborear a alegria de viver e ajudar os outros a
desfrutar de suas vidas diárias. Não podemos forçar as pessoas a praticar a
atenção plena, mas se praticarmos e nos tornarmos felizes, poderemos inspirar
outras pessoas para a prática.
P:
Um dos termos mais usados em ensinamentos budistas é "olhar
profundamente." O que significa olhar profundamente?
Thay:
Olhar profundamente significa estar profundamente consciente do objeto de nossa
concentração. Nós usamos a energia da consciência para abraçar o objeto e nos
concentrarmos nele. Podemos usar não só os nossos olhos, mas também os nossos
ouvidos para olhar profundamente. Olhar e escutar em profundidade são
essencialmente a mesma coisa. Nós podemos ouvir a nós mesmos e aos outros com
os nossos ouvidos e isso vai resultar numa melhor compreensão e discernimento.
Todos nós temos olhos e ouvidos, mas sem a energia da consciência para
capacitá-los, não poderemos praticar o olhar e o ouvir em profundidade Podemos
olhar profundamente, mesmo com nossos olhos e ouvidos fechados. Para olhar profundamente
a natureza da nossa inspiração, nós não precisamos de olhos ou ouvidos; quando
plena consciência (mindfulness) está presente na nossa consciência
mental, ela faz o trabalho de olhar profundamente.
Às
vezes podemos até usar o pensamento. Em muitos casos, o pensamento pode nos
desviar do caminho e podemos nos perder. Mas se soubermos lidar com nossos
pensamentos, ele pode nos ajudar a ver mais profundamente. Todos nós já tivemos
a experiência de ler algo e nos enganarmos a nós mesmos ou ter a ilusão de que
havíamos entendido. Mas, ao relê-lo ou referindo-nos a aquilo, descobrimos que
não absorvemos ou entendemos realmente.
A
mesma coisa é verdadeira ao olhar profundamente. Podemos pensar que é fácil
perceber que uma flor é impermanente. Nós aceitamos a impermanência da flor.
Mas não é através do uso de seu intelecto que você toca na raiz da
impermanência. Você tem que tocar a natureza da impermanência de uma forma
profunda, a fim de ir além de sua noção de impermanência e também da raiz dessa
noção. Este é o núcleo da prática chamada de meditação de insight ou olhar
profundamente (vipashyana). A fim de fazer isso com sucesso, você deve
cultivar a sua atenção e concentração, que são os poderes que lhe permitem
aprofundar a natureza das coisas.
P.
Eu venho praticando sozinho por muitos anos, mas eu continuo a achar que é
difícil estar atento. Eu posso manter a concentração por algumas semanas, mas
minha mente é facilmente agitada e algo vem sempre para me distrair. Quais são
seus pensamentos sobre isso?
Thay:
É porque nossas mentes são agitadas que temos que praticar. Todos os
praticantes têm os seus altos e baixos. Isso é natural. Mas se você tem uma
comunidade de companheiros praticantes, a Sangha, para se refugiar, você será
apoiado nestes momentos em que você se sente por baixo. A Sangha vai
encorajá-lo e ajustá-lo em seu caminho.
Refugiar-se
na Sangha é uma tarefa crítica. Sem uma Sangha, não podemos continuar nossa
prática por muito tempo. Se você deixou sua Sangha, tem que voltar imediatamente.
Se você não esteve em contato com uma Sangha, tente o seu melhor para encontrar
uma. Todos nós podemos construir Sanghas onde quer que estejamos. Pessoas em
todos os lugares precisam de estabilidade, calma e atenção. O obstáculo pode
ser que queiramos usar termos budistas. Há muitas pessoas que querem apenas
sentar e não fazer nada, tornarem-se pacíficas e calmas, estarem atentas a cada
momento de suas vidas diárias.
Se
necessário, você pode abster-se de usar termos budistas, basta incorporar o Dharma
em sua vida consciente, ter frescor e ser comunicativo. Se você usar uma
linguagem budista, no início, você vai afastar as pessoas e não vai ser bem
sucedido. Ouça as pessoas profundamente, usando o discurso amoroso. Então você
vai fazer amigos. Você também pode ter árvores, rios e rochas como os membros
de sua Sangha. O ar que você respira é um elemento de sua Sangha. O caminho que
você usar para a meditação andando é um elemento de sua Sangha. As pessoas não
precisam se ajoelhar e receber os Cinco Treinamentos de Consciência, a fim de
ser membros de sua Sangha. A criança com quem você fala, o vizinho com quem
você faz amizade podem ser membros de sua Sangha. Todo mundo que você encontra,
todos com quem você faz negócios, podem ser um membro de sua Sangha.
Apenas
ter um grupo de pessoas para conversar, para se conectar, pode ser uma espécie
de Sangha. Você não tem que usar a palavra "Sangha". Se convidar as
pessoas para o chá, não diga: "Vamos ter a meditação do chá." Diga:
"Vamos tomar um chá em paz e estar cientes de que temos algum tempo para
passar juntos, apreciando o nosso chá e nossa união." Se você aprender a
usar esse tipo de linguagem, em breve vai ser capaz de construir uma Sangha.
P:
É muito difícil para mim relaxar. Sou inquieto e tenho dificuldade de ficar
parado quando medito. Como posso me tornar menos agitado?
Thay:
Muitos de nós têm uma forte energia nos empurrando para seguir em frente. É por
isso que são oferecidas as práticas de sentar, andar, comer e respirar.
Enquanto comemos, aproveitamos cada pedaço de comida que mastigamos. Se formos
bem sucedidos com a primeira mordida, pode ser que sejamos bem sucedidos com a
segunda e a terceira. A prática da alimentação nos ajuda a relaxar. A prática
da caminhada também nos ajuda a relaxar. Se você sente que não pode relaxar,
pratique a meditação andando, dando um passo de cada vez. Se você puder dar um
passo que traz solidez e descanso, então você poderá dar um outro passo.
Se
estiver agitado ou inquieto e não sabe como lidar com essa energia, você deve
reconhecer e nomear essa energia como "inquietude" ou
"agitação". Inspirando, você diz: "Eu te conheço, energia de
inquietação." Use sua inspiração e expiração para reconhecê-la e sorrir
para ela. Tenha fé na prática. Comece com um pedaço de comida, uma inspiração e
um passo. Tudo o que você estiver fazendo, esfregando o chão ou dando um passo,
respire e recupere a liberdade para se tornar você mesmo. Então você não será
mais uma vítima da energia da inquietação.
P.
Como podemos aprofundar a nossa prática?
Thay:
Aprofundar a nossa prática significa ter uma prática genuína, praticando não
apenas na forma. Quando sua prática é genuína, ela vai trazer alegria, paz e
estabilidade para você mesmo e para as pessoas ao seu redor. Eu prefiro a expressão
"verdadeira prática." Para mim, a prática deve ser agradável. A
verdadeira prática pode trazer-nos a vida de imediato. Ao praticar a respiração
consciente, você se torna vivo, se torna real e não apenas quando você sentar
ou andar, mas quando está preparando o café da manhã ou realizando qualquer
atividade. Se você sabe como inspirar e expirar conscientemente ao preparar o
café da manhã com um sorriso, vai cultivar a vivacidade, a alegria e a
compaixão e a liberdade de pensar sobre o passado ou de se preocupar com o
futuro. Isso é a verdadeira prática, e seu efeito pode ser visto imediatamente.
P:
Eu fico ocupado desde o início da manhã até tarde da noite. Eu raramente estou
sozinho. Onde posso encontrar um tempo e lugar para contemplar em silêncio?
Thay:
O silêncio é algo que vem de seu coração, não de fora. O silêncio não
significa deixar de falar e não fazer as coisas, significa que você não está
perturbado por dentro, não existe fala dentro de você. Se você é realmente
silencioso, então não importa em que situação se encontre, poderá desfrutar do
silêncio. Há momentos em que você acha que está em silêncio e tudo está em
silêncio, mas a fala está acontecendo o tempo todo dentro de sua cabeça. Isso
não é silêncio.
A
prática é encontrar o silêncio em todas as suas atividades. Vamos mudar a nossa
maneira de pensar e a nossa maneira de olhar. Temos de perceber que o silêncio
vem do nosso coração e não da ausência de conversa. Sentar-se para comer o seu
almoço pode ser uma oportunidade para que você possa desfrutar de silêncio,
embora os outros possam estar falando, é possível que você seja muito
silencioso por dentro. O Buda foi cercado por milhares de monges. Embora
andasse, sentasse e comesse entre os monges e as monjas, ele sempre habitou em seu
silêncio. O Buda deixou bem claro que, ficar sozinho, ficar quieto, não
significa que ter que ir para a floresta. Você pode viver na Sangha, pode estar
no mercado, mas ainda desfrutar do silêncio e da solidão.
Estar
sozinho não significa que não há ninguém ao seu redor. Estar sozinho significa
que você está firmemente estabelecido no aqui e no agora e se torna consciente
do que está acontecendo no momento presente. Você usa sua consciência para
tornar-se consciente de cada sentimento, cada percepção que você tem. Está
ciente do que está acontecendo ao seu redor na Sangha, mas você está sempre com
você, e não se perde. Essa é a definição da prática ideal da solidão do Buda:
não ser capturado pelo passado ou levado pelo futuro, mas sempre estar aqui,
com corpo e mente unidos, conscientes do que está acontecendo no momento
presente. Essa é a solidão real.
(Do
livro de Thich Nhat Hanh - "Answers from the heart” - Tradução Leonardo
Dobbin)
Extraído do blog: http://sangavirtual.blogspot.com
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