O Esforço Correto
A
Diligência Correta, ou o Esforço Correto, é um tipo de energia que nos ajuda a
percorrer mais rápido o Nobre Caminho Óctuplo. Se formos diligentes na procura
de posses, sexo ou comida, isso será o esforço errôneo. Se trabalharmos vinte e
quatro horas por dia para obter lucro ou fama, ou para fugir da dor, isso
também constitui esforço errôneo. Vistos de fora, podemos parecer diligentes,
mas não estaremos praticando o Esforço Correto. A mesma coisa se aplica à nossa
prática de meditação. Podemos parecer diligentes na prática, mas se ela nos
afasta da realidade ou daqueles a quem amamos, não é o Esforço Correto. Quando
praticamos a meditação sentada ou andando, de forma a fazer nosso corpo e nossa
mente sofrerem, esse esforço não representa o Esforço Correto nem está baseado
na Compreensão Correta. Nossa prática deve ser inteligente, baseada na real
compreensão do ensinamento. Não é porque praticamos muito que podemos dizer que
praticamos o Esforço Correto.
Havia
um monge na Dinastia Tang na China que meditava dia e noite. Ele achava que
praticava mais e melhor do que qualquer outra pessoa, e se orgulhava disso.
Sentava-se como uma pedra, dia após dia, mas seu sofrimento não se
transformava. Um dia um mestre perguntou: "Por que você se senta em
meditação por tanto tempo?" e o monge respondeu: "Para me tornar um
Buda!" O mestre apanhou um ladrilho e começou a polir o ladrilho com
força. O monge perguntou o que estava fazendo, e o mestre respondeu:
"Estou fazendo um espelho." O monge então perguntou: "Como pode
transformar um ladrilho em espelho?" e o mestre respondeu: "Como você
pode se transformar em Buda apenas sentado?"
As
quatro práticas que costumam estar associadas ao Esforço Correto são:
(1)
Impedir o crescimento e o
desenvolvimento das sementes indesejáveis contidas em nossa consciência
armazenadora.
(2)
Ajudar as sementes indesejáveis já
desenvolvidas a retornar à consciência armazenadora.
(3)
Encontrar formas de irrigar as sementes
sadias que ainda não cresceram em nossa consciência armazenadora, incentivando
o mesmo processo aos amigos.
(4)
Nutrir as sementes sadias que já
cresceram, para que permaneçam em nossa consciência mental, tornando-se cada
vez mais fortes. Isso é chamado de Esforço Correto Quádruplo.
Uma
semente "não-sadia" é algo que não conduz à libertação nem ao
caminho. Em nossa consciência armazenadora existem muitas sementes que não são
benéficas para a nossa transformação, e se forem regadas ficarão cada vez mais
fortes. Quando a ganância, o ódio, a ignorância e os pontos de vista incorretos
aparecem em nós, se nós os observarmos com a Atenção Plena Correta, mais cedo
ou mais tarde eles perderão sua força e retornarão à consciência armazenadora.
Quando
as sementes sadias ainda não cresceram, podemos regá-las e ajudá-las a penetrar
na mente consciente. Essas sementes de felicidade, amor, lealdade e
reconciliação precisam ser regadas todos os dias. Ao regá-las, sentiremos
grande alegria, o que as encorajará a permanecer mais tempo conosco. A quarta
prática do Esforço Correto é a manutenção em nossa consciência das formações
mentais saudáveis.
O
Esforço Correto Quádruplo é alimentado pela alegria e pelo interesse. Se sua
prática não lhe traz alegria, você não está praticando corretamente. O Buda
perguntou ao monge Sona: "É verdade que antes de se tornar monge você foi
músico?" e Sona respondeu que sim. O Buda então perguntou:
-
O que acontece quando as cordas do
instrumento estão frouxas?
-
Quando tocamos a corda, não sai som
algum - respondeu Sona.
-
E o que acontece quando a corda está
esticada em demasia?
-
Ela rebenta.
-
A prática do caminho é a mesma coisa -
disse o Buda. – Cuide de sua saúde. Tenha alegria. Não se force a fazer nada de
que não seja capaz.
Precisamos
ter consciência de nossos limites psicológicos e físicos. Não devemos nos
forçar a práticas de ascetismo nem tampouco devemos nos perder nos prazeres dos
sentidos. O Esforço Correto está no Caminho do Meio, entre os dois extremos da
austeridade e da indulgência sensual.
O
ensinamento dos Sete Fatores do Despertar também é parte da prática do Esforço
Correto. A alegria é um dos Fatores do Despertar, e fica bem no âmago do
Esforço Correto. O bem-estar, outro Fator do Despertar, também é essencial ao
Esforço Correto. Na verdade, não apenas o Esforço Correto mas também a Atenção
Plena Correta e a Concentração Correta necessitam de alegria e bem-estar para
poderem se desenvolver. O Esforço Correto não implica nos forçarmos a coisa
alguma. Se temos alegria, bem-estar e interesse, nosso esforço será exercido
naturalmente. Quando ouvirmos o sino chamando para a meditação, teremos energia
para participar dela, porque para nós a meditação é alegre e interessante. Se
não tivermos energia para praticar a meditação andando nem a meditação sentada,
é porque estas práticas não nos trazem alegria nem nos transformam, ou porque
ainda não conseguimos enxergar seus benefícios.
Quando
eu declarei meu desejo de me tornar um monge noviço, minha família achou que a
vida monástica seria difícil demais para mim. Mas estava convicto de que só
assim seria feliz, por isso insisti. Quando me tornei de fato um noviço,
sentia-me tão livre e feliz quanto os pássaros no céu. Na hora de cantar os
sutras, parecia que eu fora convidado para um concerto. Algumas vezes, em
noites de luar, quando os monges cantavam sutras ao redor do lago, eu me
imaginava no paraíso ouvindo o canto dos anjos. Quando não podia comparecer ao
canto matinal por ter obrigações a cumprir, o simples fato de poder ouvir o
Shurangama Sutra ecoando no Salão do Buda já era suficiente para me fazer
feliz. Todos nós no Tu Hieu Pagoda
praticávamos com interesse, alegria e diligência. Não havia nenhum esforço
forçado, apenas amor e apoio mútuos, tanto da parte do nosso mestre quanto dos
irmãos de prática.
Em Plum Village as crianças participam das meditações sentadas e das
meditações andando, e também das refeições silenciosas. No início elas fazem
isso apenas para ficarem perto dos amigos que já estão participando, mas depois
que experimentam a paz e a alegria proporcionadas pela meditação elas continuam
por conta própria, porque gostaram. É comum que adultos precisem de quatro a
cinco anos praticando a forma exterior antes de conseguirem experimentar a
alegria interior proporcionada por esta prática. Mestre Guishan disse: "O
tempo corre como uma flecha. Se não vivermos em profundidade, desperdiçaremos
nossa vida." Alguém que consegue dedicar sua vida à prática e que tem a
oportunidade de conviver com um mestre e com amigos que praticam, é alguém que
desfruta de uma maravilhosa oportunidade, capaz de lhe proporcionar muita
felicidade. Se não tivermos o Esforço Correto, é porque ainda não encontramos a
forma de praticar adequada para nós, ou então porque ainda não sentimos
necessidade de praticar intensamente. Uma vida vivida consciente é uma coisa maravilhosa.
Ao acordar hoje de
manhã eu sorri:
Vinte e quatro
horas, novinhas em folha, ao meu dispor.
Tenho a firme
intenção de viver plenamente cada momento de meu dia,
e olhar para todos
os seres com os olhos da compaixão.
Ao
recitar esse verso, estamos armazenando energia para viver nosso dia com
sabedoria. Vinte e quatro horas são um tesouro pleno de possibilidades. Se
desperdiçarmos estas horas, estamos desperdiçando nossa vida. A prática correta
é sorrir tão logo despertamos, reconhecendo esse novo dia como mais uma
oportunidade para praticar. É nossa responsabilidade não desperdiçar nenhuma
oportunidade. Quando contemplamos todos os seres com um olhar de amor e
compaixão, ficamos felizes. Com a energia da atenção plena, varrer o chão,
lavar os pratos ou meditar andando são coisas extremamente preciosas.
O
sofrimento costuma nos conduzir à prática. Quando estamos ansiosos ou tristes,
ao constatarmos que as práticas nos aliviam, deseja-mos praticar mais para nos
sentirmos melhor. É preciso muita energia para contemplar o sofrimento e
investigar suas causas, mas é esta compreensão que nos diz como colocar um
ponto final no sofrimento e qual o caminho necessário para conseguir isso.
Quando somos capazes de acolher o sofrimento, compreendemos suas origens, e
vemos que é possível pôr um fim nele, porque existe um caminho para se fazer
isto. Nossa dor está no centro de tudo. Quando olhamos para o esterco,
enxergamos as flores. Quando olhamos para um mar de fogo, vemos um lótus. O
caminho que não foge de nós mas que, ao contrário, recebe a nossa dor, é o
caminho que nos conduz à libertação.
Nem
sempre é necessário lidar diretamente com o sofrimento. Às vezes podemos
permitir que ele permaneça adormecido em nossa consciência armazenadora, usando
essa oportunidade para, através da atenção plena, entrar em contato com os
elementos curadores e renovadores que existem em nós e ao nosso redor. Eles se
encarregarão de tomar conta da dor, como anticorpos lutando contra elementos
estranhos que penetraram na corrente sangüínea. Quando sementes não-sadias
começam a crescer, temos que fazer algo a respeito, mas caso permaneçam
adormecidas, temos que ajudá-las a continuar dormindo pacificamente, para serem
transformadas na base.
Com a
Compreensão Correta, enxergamos o caminho a ser seguido, e isso nos confere fé
e energia. Se nos sentirmos bem depois de praticar por uma hora a meditação
andando, teremos a convicção necessária para continuar praticando. Ao vermos
como este tipo de meditação traz paz para as outras pessoas, nós também teremos
mais fé nessa prática. Com paciência, descobriremos as alegrias que a vida nos
oferece, e teremos mais energia, interesse e diligência.
A
prática do viver consciente deve ser alegre e prazerosa. Se você inspira e
expira com alegria e paz, isto é o Esforço Correto. Se você se reprime, ou se
não gosta da prática, provavelmente não está praticando o Esforço Correto.
Examine sua forma de praticar. Veja o que lhe proporciona paz e felicidade em
todas as ocasiões. Tente passar algum tempo numa Sangha, onde irmãos e irmãs
estão criando um campo de energia consciente capaz de tornar a sua prática mais
fácil. Trabalhe com um mestre e com os amigos, visando transformar seu
sofrimento em compaixão, paz e compreensão, fazendo isso de uma forma alegre e
fácil. Isto é Esforço Correto.
(Do livro “A Essência dos ensinamentos de Buda” – Thich Nhat
Hanh)
Texto extraído do blog: http://sangavirtual.blogspot.com
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