A versão japonesa da fábula da tartaruga e do
coelho é um tanto quanto diferente daquele da minha infância brasileira. Eu a
ouvi há poucos dias do Reverendo Miura, que veio do Japão nos visitar.
Conta-se que a tartaruga e o coelho foram apostar
uma corrida. O coelho saiu na frente e quando estava no topo de um morro olhou
para trás e viu a tartaruga lá longe, tão longe que ele resolveu deitar e
dormir.
Passo a passo a tartaruga passou pelo coelho adormecido
e chegou em primeiro lugar.
No Japão essa fábula é ensinada para enfatizar a
importância da persistência, paciência, continuidade.
No entanto, quando essa história foi contada na
Índia houve quem dissesse:
“A tartaruga foi má. Sabe por que? Porque ela não
acordou o coelho.”
São maneiras diferentes de se interpretar a mesma
história. Talvez a tartaruga devesse ter parado e verificado se o coelho estava
bem antes de continuar caminhando lenta e continuamente.
A história do Brasil era diferente. A tartaruga
enganava o coelho e chegava primeiro.
Talvez por isso temos tantas pessoas envolvidas na
corrupção. Não paramos para ajudar como na Índia, país pobre e sofredor. Nem
vamos passo a passo até nossos objetivos, como no Japão, país próspero.
Como seria a versão de Buda?
Saíram juntos o coelho e a tartaruga.
Não se preocupariam em ganhar, mas em criar
harmonia com sua passagem. Ofereceriam o prêmio um ao outro, pois não haveria
perdedor. Um ganharia pela velocidade. Outro pela persistência.
A tartaruga veria o coelho sair rapidamente. Da
poeira levantada onde nem suas patinhas poderiam ser encontradas, a tartaruga
apreciando, cada passo, flor, estrada se apiedaria do amigo que na grande
correria se esquecia de ver cada detalhe sagrado.
O coelho por sua vez, pernas fortes e longas, se
preocupava com a amiga tartaruga, de casco pesado e pernas curtas. Estaria
sendo absurda essa competição?
Olhava para trás e a via caminhando, lenta e
decididamente. Parava o coelho e a esperava. Perguntava como estava. Juntos
descansavam na sombra das árvores. E o melhor é que não havia gol a obter, não
havia corrida a ganhar. Tudo que havia era o prazer de viver. Cada um com seu
passo, seu estilo, sem competir, caminhando o Caminho, sendo o Caminho
iluminado.
E nessa caminhada iam encontrando pessoas e
animais, árvores e minerais, água, terra, ar, fogo, tudo que existe e sempre se
prontificando a ajudar e a procurar a maneira correta de fazer com que todos
percebessem a beleza de caminhar o caminho sem começo e sem fim.
No budismo ambos seriam bodisatvas, seres
iluminados disfarçados a mostrar o Caminho verdadeiro a todos os seres.
Essa versão me apetece e se parece sonho, fantasia,
ilusão, utopia – é dessa matéria prima sagrada que a vida é celebrada.
Somos um com o mundo. O mundo é uno em nós.
Quando inspiramos o mundo inspira. Além da
dualidade o que resta é a unidade.
A diversidade não é rival da unidade. Pelo
contrário: no uno tudo está incluído. Cada parte, como um corpo de coração e
pulmões, rins e fígado.
Outro monge, Reverendo Saikawa, bebeu de um copo de
água. Era a água e eu. Agora a água sou eu. Eu sou a água .
Interconectados. Intersendo.
Olhar capaz de ver com clareza luminosa como
espelho de cristal.
Audição de ouvir com clareza sonora como
Espelho de cristal
Assim com todos os sentidos. Tudo vendo, tudo
ouvindo, todos os odores sentindo, todos os sabores, na pele o frio, o calor,
as texturas.
Mas a mente precisa estar luminosa e aberta, pois
se estiver cheia de si mesma não é capaz de se tornar flexível e sensível.
Tartaruga e coelho não se opõem. São. Intersendo.
Cada um é como é. Tem sua função e ação. Se
tartaruga quiser ser coelho terá problemas dores, sofrimentos. Não aceitará a
si mesma. Estará o tempo todo reclamando, se rejeitando, julgando, se
rebaixando. Triste sina.
Se o coelho pensasse ser tartaruga, com uma casa
nas costas a se proteger dos caçadores, seria triste seu fim.
Cada um é cada um. Tem valor e tem lugar. Nada é
fixo. Não há melhor nem pior. Há o que é correto em sua função e posição.
Ser humano, estrela, cão.
Somos todos apenas você.
E você sou eu.
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Texto extraído do site: http://www.monjacoen.com.br/inicio
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