Por Thich Nhat Hanh
Plena consciência é a capacidade de
saber o que está acontecendo em cada momento, e plena consciência da raiva é
ser capaz de reconhecer quando a raiva se manifestou. Se deixarmos nossa raiva
sozinha, causará estrago para nosso corpo, para nossa mente e talvez para o
nosso entorno. Podemos praticar a plena consciência da raiva dizendo para nós
mesmos: “Inspirando, sei que a raiva está em mim. Expirando, eu sorrio para
minha raiva, eu abraço minha raiva.”
A plena consciência reconhece que a
raiva é raiva. Reconhecer e abraçar a raiva é uma arte, é a prática.
Usualmente, lutamos contra a raiva que surge em nós. Mas na prática budista,
não lutamos contra nossa raiva, nós a abraçamos tenramente.
Imagine uma mãe que está trabalhando
na cozinha e ouve seu bebê chorar. Ela o ama, portanto solta o que quer que
esteja na sua mão e vai ao quarto dele. Antes mesmo de saber o que está errado,
ela pega o bebê e o segura tenramente em seus braços. Apenas segurá-lo
carinhosamente pode ser suficiente para trazer alivio à criança e diminuir seu
choro. Se a mãe continuar a segurá-lo com plena consciência, ela descobrirá o
que está errado. Ele pode estar com fome, pode estar com febre, ou sua fralda
pode estar apertada demais. Através da prática da plena consciência podemos
abraçar nossa raiva e pacientemente descobrir porque ela surgiu.
Se a mãe descobre que seu filho está
com fome, ela lhe dá leite; se a fralda está muito apertada, ela afrouxa.
Portanto ao abraçar nossa raiva com carinho, podemos aliviá-la através da
respiração consciente e da caminhada consciente.
Quando a energia da raiva começa a
emergir, precisamos da prática da plena consciência. Podemos pensar que para
liberar nossa raiva temos que fazer algo imediatamente para confrontar a pessoa
que pensamos que está nos fazendo sofrer. Ao invés disso, podemos respirar e
dizer: “Inspirando, sei que a raiva se manifestou em mim. Expirando, tomarei
muito cuidado com a energia da raiva em mim.”
Podemos pensar que dizer ou fazer
algo muito forte para punir a outra pessoa é o caminho para encontrar alívio.
Mas isto apenas irá escalar o sofrimento. A outra pessoa sofrerá mais, e ela
irá buscar alívio nos punindo de volta.
Se alguém nos faz sofrer, é porque
esta pessoa também está sofrendo. Alguém que não sabe lidar com seu sofrimento
permitirá que ele vaze, e nos tornaremos vítimas do seu sofrimento. Sabemos que
alguém que sofre tanto assim precisa de ajuda e não punição. Quando começamos a
ver isso, a compaixão nasce, e não sofremos mais. Compaixão é o antídoto para a
raiva. Uma vez que estamos motivados pelo desejo de ajudar a outra pessoa a
sofrer menos, estamos livres de nossa raiva.
Às vezes é importante comunicar
nosso sofrimento para a outra pessoa. Podemos fazer isso usando a prática do
“Começar de Novo”. Sentamos juntos em um momento onde possamos estar plenamente
presentes. Há três estágios: no primeiro nós “regamos as flores” da outra
pessoa, sinceramente expressando nossa apreciação pelas suas boas qualidades.
No segundo expressamos lamento por qualquer coisa que vemos que possamos ter
feito para contribuir para o conflito. No terceiro, expressamos nosso
sofrimento sem culpa ou julgamento.
Quando expressamos nosso ferimento,
há três frases importantes que os ensinamentos budistas sugerem. Estas frases
são o antídoto para o sofrimento. A primeira é, “Querido, eu estou com raiva.
Eu estou sofrendo e quero que você saiba.”. A segunda é “Querido, eu estou
fazendo o melhor que posso”. A terceira é “Por favor, ajude-me”.
Quando dizemos a primeira frase -
“Querido, eu estou com raiva. Eu estou sofrendo e quero que você saiba disso.”
- estamos sendo abertos e dividindo o que está acontecendo conosco. É
importante que não neguemos nossa própria raiva e sofrimento. Às vezes sofremos
por causa da outra pessoa, e quando ela vem e pergunta, “Querido, você está
bem, está com raiva de mim?” dizemos “Eu estou bem, porque estaria com raiva?”.
Ou quando a outra pessoa põe a mão no nosso ombro, tentamos evitar seu toque e dizemos,
”deixe-me só, não me toque!”. Estas são formas de punir alguém, queremos dizer
a esta pessoa que podemos sobreviver muito bem sozinhos.
Portanto, ao invés disso, é muito
importante ser direto. Podemos também querer adicionar, “Eu não sei por que
você disse tal coisa para mim, por que fez tal coisa para mim. Por favor,
explique.” A coisa importante é dizer para a outra pessoa que estamos com raiva
e que estamos sofrendo. Se pudermos escrever esta sentença, já sofreremos
menos. É um milagre.
A segunda frase é ainda menor, “Eu
estou fazendo o melhor que posso”. Isto significa que estamos praticando a
respiração consciente e a caminhada consciente e tomando conta de nossa raiva.
Portanto a segunda sentença é um convite indireto para a outra pessoa fazer o
mesmo, voltar para reexaminar a situação, e ver o que ela possa ter feito que
tenha contribuído para o conflito.
Às vezes não queremos fazer o outro
sofrer. Apenas somos inábeis. Temos que aprender a falar em termos de mais ou
menos hábeis ao invés de termos como bom ou mau, certo ou errado. Na tradição
budista falamos de estados inábeis da mente, como a raiva ou medo.
A última sentença é “Por favor,
ajude-me”. Quando somos capazes de escrever a terceira frase, nosso sofrimento
se dissipa. Mesmo se a outra pessoa ainda não leu a mensagem, já nos sentimos
muito melhor. Reconhecemos nossa interdependência, não somos capturados pelo
orgulho. No verdadeiro amor não há lugar para orgulho. Sabemos que precisamos
da outra pessoa para nos ajudar a sair da nossa situação.
Tenho muitos amigos que pegam um
pedaço de papel do tamanho de um cartão de crédito, escrevem essas três frases
e guardam na carteira. Cada vez que a raiva vem, eles pegam o “cartão”, lêem enquanto
inspiram e expiram, e então eles sabem exatamente o que fazer.
Quando o nosso amado nos fere,
ficamos com raiva e sofremos. Estamos na margem do sofrimento. Como somos
bodisatvas, queremos atravessar para a margem da paz. Não dizemos, “Outra
margem, por favor, venha de forma que eu possa pisar em você.” Não, temos que
atravessar! E entendimento, prajñaparamita, é uma das maneiras de
atravessar. Quando entendemos a outra pessoa, vemos seu sofrimento e também que
ela não sabe lidar com este sofrimento. Ela sofre, portanto faz a si mesmo e
aos que estão a sua volta sofrerem. Quando somos capazes de olhar com olhos de
entendimento como estes, de repente estamos na outra margem. Este entendimento
traz a outra margem imediatamente.
O Buda disse que há muitas maneiras
de lidar com sua raiva, e uma maneira é praticar a paramita chamada dana,
que significa doação. Você dá um presente para a pessoa que você está sentindo
raiva. Usualmente quando estamos com raiva de alguém, queremos puni-la. Mas o
Buda nos aconselha a fazer o oposto. Faça algo que a faça feliz. Ofereça algo
para ela, e de repente sua raiva desaparecerá e você se encontrará na outra
margem. Você pode querer tentar isto. Você sabe de que seu amada gosta,
portanto compre um lindo presente e esconda em algum lugar. E um dia quando
ficar com raiva dela, lembre-se do conselho do Buda e ofereça o presente para
ela. Então ambos estarão na outra margem imediatamente.
A outra pessoa precisa de amor, e se
pudermos prover isso para ela, através do entendimento, nossa raiva se
dissolverá. O tempo que leva para atravessar para a outra margem pode ser muito
curto. É um milagre! Como um bodisatva, queremos apenas dar. E estamos
dispostos a dar qualquer coisa que pudermos.
As coisas mais valiosas para dar são
entendimento e compaixão. Todos no mundo anseiam por entendimento, compaixão e
amor. Como um bodisatva, como um praticante, podemos produzir entendimento e
compaixão. Quando olharmos profundamente para a situação, não culparemos mais,
sentiremos compaixão.
(Do livro “Together we are one”– Thich Nhat Hanh)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)
Texto extraído em http://sangavirtual.blogspot.com
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