Impermanência
A prática e entendimento da
impermanência não é apenas outra descrição de realidade. É uma ferramenta que
ajuda-nos em nossa transformação, cura e emancipação. Impermanência significa
que tudo muda e que nada permanece o mesmo em dois momentos sucessivos. E
embora as coisas mudem a todo momento, elas ainda não podem ser descritas com
precisão como as mesmas ou como diferente do que eles eram a um momento atrás.
Quando hoje nós tomamos banho em um
rio que nos banhamos ontem, é o mesmo rio? Heráclito disse que nós não podemos
entrar duas vezes no mesmo rio. Ele tinha razão. A água no rio hoje é
completamente diferente da água que nós tomamos banho ontem. Ainda é o mesmo
rio. Quando Confúcio estava na margem de um rio assistindo seu fluxo, ele
disse: "Oh, flui assim dia e noite, sem fim".
O insight da impermanência ajuda-nos
a ir além de todos os conceitos. Ajuda-nos a ir além de mesmo e diferente,
vindo e indo. Ajuda-nos a ver que o rio não é o mesmo rio mas também não é
diferente. Nos mostra que a chama que acendemos na vela antes de dormir não é
a mesma chama queimando na manhã seguinte. A chama não é duas chamas diferentes,
mas também não é a mesma chama.
Nós estamos freqüentemente tristes e
sofremos muito quando as coisas mudam, mas a mudança e a impermanência têm um
lado positivo. Graças à impermanência, tudo é possível. A própria vida é
possível. Se um grão de milho não for impermanente, nunca pode ser transformado
em um talo de milho. Se o talo não fosse impermanente, nunca poderia nos
proporcionar a espiga de milho que nós comemos. Se sua filha não for
impermanente, ela não pode crescer se tornando uma mulher. Então seus netos
nunca vão se manifestar. Portanto em vez de se queixar da impermanência, nós
deveríamos dizer, "Acolhida calorosa e vida longa a impermanência."
Nós deveríamos estar contentes. Quando nós pudermos ver o milagre da
impermanência, nossa tristeza e sofrimento passarão.
A impermanência também deveria ser
entendida a luz do inter-ser. Porque todas as coisas inter-são, elas
constantemente estão influenciando umas as outras. É dito que as asas de uma
borboleta que agitam em um lado do planeta podem afetar o tempo no outro lado.
As coisas não podem ficar do mesmo modo porque elas são influenciadas por tudo
mais.
Todos
nós podemos entender a impermanência
com nosso intelecto, mas isto não é, contudo a verdadeira compreensão.
Apenas nosso
intelecto não nos conduzirá a liberdade. Não nos conduzirá ao
esclarecimento.
Quando somos sólidos e concentramos, nós podemos praticar o olhar em
profundidade. E quando nós olhamos profundamente e vemos a natureza da
impermanência, nós
podemos ficar concentrados neste insight profundo. Isto é como o insight
da
impermanência se torna parte de nosso ser. Se torna nossa experiência
diária.
Nós temos que manter o insight da impermanência para poder ver e viver a
impermanência todo o tempo. Se nós pudermos usar impermanência como um
objeto
de nossa meditação, nós nutriremos a compreensão da impermanência de tal
modo
que ela viverá diariamente em nós. Com esta prática, a impermanência se
torna uma chave que abre a porta de realidade.
Nós também não podemos descobrir o
insight da impermanência por só um momento e depois encobri-lo e ver tudo
novamente como permanente. A maior parte do tempo nós nos comportamos como se
nossos filhos sempre fossem estar em casa conosco. Nós nunca pensamos que em
três ou quatro anos eles nos deixarão para se casar e ter as próprias famílias.
Assim nós não valorizamos os momentos que nossos filhos estão conosco.
Eu conheço muitos pais cujos filhos aos
dezoito ou dezenove anos deixam a casa e vão morar sozinhos. Os pais perdem os
seus filhos e se sentem muito arrependidos. Os pais não valorizaram os momentos
que eles tiveram com os seus filhos. O mesmo é verdade para maridos e esposas.
Você pensa que seu cônjuge estará lá por toda sua vida, mas como você pode
estar tão seguro? Nós realmente não temos nenhuma idéia de onde nossos
parceiros estarão em vinte ou trinta anos ou mesmo amanhã. É muito importante
se lembrar da prática da impermanência diariamente.
Quando alguém diz algo que te dá
raiva e você deseja que ele fosse embora, por favor olhe profundamente com os
olhos da impermanência. Se ele ou ela tivesse ido, o que você sentiria realmente?
Você estaria contente ou se lamentaria? Praticando este insight pode ser muito
útil. Há um gatha, ou poema que nós podemos usar para nos ajudar:
Com raiva na última dimensão
Eu fecho meus olhos e
olho profundamente.
Trezentos anos no futuro
Onde você estará e onde
eu estarei?
Quando nós estamos bravos, o que
fazemos normalmente? Nós gritamos, e tentamos culpar a outra pessoa por nossos
problemas. Mas olhando para raiva com os olhos da impermanência, nós podemos
parar e podemos respirar. Com raiva do outro na dimensão última, nós fechamos
nossos olhos e olhamos profundamente. Nós tentamos ver trezentos anos no
futuro. Como estará você? Como estarei eu? Onde você estará? Onde eu estarei?
Nós só precisamos inspirar e expirar, olhar para nosso futuro e o da outra
pessoa. Nós não precisamos olhar para trezentos anos a frente. Poderia ser
agora, cinqüenta ou sessenta anos no futuro quando nós estaremos falecidos.
Olhando para o futuro, nós vemos que
a outra pessoa é muito preciosa para nós. Quando nós sabemos que nós podemos a
perder a qualquer momento, nós não ficamos mais bravos. Nós queremos abraçar o
outro e dizer: "Como é maravilhoso você ainda estar vivo. Eu estou tão
contente. Como eu poderia estar bravo com você? Nós dois vamos morrer em algum
dia, e enquanto nós ainda estamos vivos e juntos é bobagem ficar bravo um com o
outro.”
A razão pela qual nós somos tolos o bastante
para nos fazer sofrer e fazermos a outra pessoa sofrer é que nós esquecemos que
nós e a outra pessoa somos impermanentes. Em algum dia quando nós morrermos,
perderemos todas nossas posses, nosso poder, nossa família, tudo. Nossa
liberdade, paz e alegria no momento presente são as coisas mais importantes que
nós temos. Mas sem um entendimento desperto da impermanência, não é possível
estar contente.
Algumas pessoas nem mesmo querem
olhar para uma outra pessoa quando a pessoa está viva, mas quando a pessoa
morre, eles escrevem obituários eloqüentes e fazem oferecimentos de flores.
Naquele momento a pessoa morreu e não pode mais desfrutar da fragrância das
flores. Se nós realmente entendemos e nos lembramos que aquela vida era
impermanente, nós faríamos tudo o que podíamos para fazer a outra pessoa feliz
aqui mesmo e agora mesmo. Se nós passamos vinte e quatro horas com raiva de
nosso amado, é porque nós somos ignorantes sobre a impermanência.
"Com raiva na dimensão
última/ Eu fecho meus olhos." Eu fecho meus olhos para praticar
visualização do meu amado cem ou trezentos anos no futuro. Quando você se
visualiza e ao seu amado trezentos anos no futuro, se sente muito feliz de vocês
estarem vivos hoje. Você abre seus olhos e toda sua raiva se foi. Você abre
seus braços para abraçar a outra pessoa e você pratica: "Inspirando você
está vivo, expirando eu estou tão contente." Quando você fechar seus olhos
para visualizar a outra pessoa trezentos anos no futuro, você está praticando a
meditação na impermanência. Na dimensão última, não existe raiva.
Ódio também é impermanente. Embora
nós possamos ser consumidos pelo ódio neste momento, se nós soubermos que o
ódio é impermanente, nós podemos fazer algo para mudar essa situação. Da mesma
forma que com a raiva, nós fechamos nossos olhos e pensamos, onde nós estaremos
em trezentos anos? Com a compreensão do ódio na dimensão última, ele pode
evaporar em um momento.
Porque somos ignorantes e nos
esquecemos de impermanência, nós não nutrimos nosso amor corretamente. Quando
nos casamos, nosso amor era grande. Nós pensávamos que se nós não tivéssemos um
ao outro não poderíamos viver nem mais um dia. Porque não soubemos praticar a
impermanência, depois de um ou dois anos nosso amor se tornou frustração e
raiva. Agora desejamos saber como poderemos sobreviver mais um dia tendo que
conviver com a pessoa que amamos tanto no passado. Nós decidimos que não há
nenhuma alternativa: queremos o divórcio. Se nós vivermos com a compreensão da
impermanência, cultivaremos e nutriremos nosso amor. Só assim ele durará. Você
tem que nutrir e cuidar seu amor para ele crescer.
(Do livro “No death, no fear” – Thich Nhat Hanh)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)
Extraído em http://sangavirtual.blogspot.com
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