Tempos atrás nós discutimos sobre
meios e fins e aprendemos que na prática do Budismo não há nenhuma distinção
entre meios e fins, e que os meios deveriam ser considerados como os fins por
si mesmos. Esta é uma prática muito intensa e nós deveríamos nos apoiar no
Sangha para fazer isto.
Quando você vai para o Salão de Buda
ou para o Salão de Dharma sabe que tem algo a fazer lá: meditação sentada,
ouvir uma palestra de Dharma ou limpar o salão, mas ir para lá também é uma
prática. É solicitado que vocês limpem o salão de meditação com consciência, é
esperado que vocês se sentem belamente enquanto escutam a uma palestra de
Dharma, é esperado que vocês se concentrem, estejam atentos durante sua
meditação sentada, e assim a prática acontece no salão de meditação, mas
deveríamos saber que a prática também acontece durante sua caminhada até ali.
Eis por que deveríamos tentar estar
praticando durante o tempo em que caminhamos para o salão de meditação, e se
você for bem sucedido em todo passo que você der, a meditação sentada, a
palestra de Dharma ou a limpeza do salão de meditação serão também um sucesso. Como
temos o hábito de fazer as coisas sem eficiência, tendemos a negligenciar,
menosprezar o valor dos meios.
Nesta época no Outono, eu normalmente
limpo as folhas do eremitério. Eu faço isto a cada três dias mais ou menos e
uso um ancinho. Eu sei que limpar as folhas significa ter um caminho limpo para
caminhar, fazer meditação caminhando e assim por diante. Eu corro diariamente
pelo menos duas vezes - eu pratico a meditação correndo e limpo as folhas deste
modo, conscientemente. Limpar as folhas não significa apenas ter um caminho
limpo para correr ou caminhar, mas também significa simplesmente gostar de
limpar as folhas. Assim, eu seguro o ancinho de tal modo que possa estar
contente e sólido durante o tempo de usar o ancinho. E todo movimento que faço,
quero fazê-lo como um ato de iluminação, um ato de alegria, um ato de paz,
assim eu não tenho pressa, porque vejo que o ato de limpar é tão maravilhoso
quanto ter um caminho limpo. Eu não estaria satisfeito com menos do que isso.
Todo golpe que eu dou deve trazer alegria, solidez e liberdade para mim. Devo
ser completamente eu mesmo durante o ato de limpar as folhas, e limpar as
folhas, deste modo não será mais um meio para se chegar a um fim chamado
"ter um caminho limpo".
E você não precisa esperar por muito
tempo; se puder dar um golpe assim, um movimento assim, investindo
completamente você mesmo no ato de limpar as folhas, então imediatamente será
recompensado. Essa é uma obra de arte perfeita que você faz porque cada
movimento é uma obra de arte.
O mesmo é verdade quando você
pratica a caminhada. Cada passo que dá deveria ser uma obra de arte perfeita,
cada passo pode lhe trazer solidez, soberania, pois você não caminha como um
escravo, caminha como uma pessoa livre. Caminha como um Buda porque quis ser um
discípulo, uma filha ou um filho do Iluminado. Você quer ser a sua continuação,
eis por que é capaz de dar um passo com soberania, estando completamente no
controle si mesmo. Você está completamente presente no aqui e agora, e desfruta
daquele passo. Assim, a meditação andando não é chegar ao salão de meditação.
Chegar ao salão de meditação é o que você quer, mas você quer mais do que isso,
porque alcança o salão de meditação várias vezes ao dia e às vezes dez ou vinte
chegadas como esta não fazem nenhuma diferença. Assim, um passo é o bastante
para você chegar. Eu cheguei! Com um passo.
Essa é a nossa prática, mas há uma
energia de hábito que lhe impede de fazer assim. Você está acostumado a correr
por acreditar que a felicidade não é possível aqui e agora, a felicidade só é
possível no futuro. Este tipo de convicção, este tipo de energia de hábito tem
estado presente por muito tempo, transmitido por muitas gerações de
antepassados e vir à Plum Village é ter uma chance de perceber isto; que você é
governado por sua energia de hábito, pela tendência de correr todo o tempo.
Você não é capaz de estar no aqui e no agora para tocar as maravilhas da vida
que estão disponíveis.
Nós temos muitas chances para
praticar. Sabemos que lavamos roupas, lavamos pratos, varremos o solo, cuidamos
do jardim, há muitas coisas que vocês podem fazer, mas não façam isto do modo
como fazem isto no mundo. Façam como uma prática, uma boa prática, e vocês
serão recompensados imediatamente, saberão que estão lidando com sua energia de
hábito. A energia de hábito nos diz: "rápido, rápido, vá, rápido, rápido,
termine logo! O prazo final está próximo!", mas a prática está lhe dizendo
o oposto: "não corra, desfrute, o aqui e o agora é a única coisa que você
possui, a felicidade não pode ser possível fora do aqui e do agora", assim
você tem duas coisas que contradizem uma à outra. Eis por que a palavra
"treinamento" significa superar a energia de hábito lentamente e cultivar
outra energia de hábito, que é boa. A energia de hábito que você quer cultivar
é a capacidade de estar no aqui e agora, e viver todos os momentos de sua vida
diária profundamente. Limpe as folhas, desfrute! Faça o café da manhã! Desfrute
completamente deste ato de arte culinária. Lave os pratos! Desfrute
completamente o ato de lavá-los.
Diariamente no Mosteiro eu lavo os
pratos, diariamente eu fervo o arroz e cuido das flores, das plantas, e minha prática
é de desfrutar todos os minutos enquanto estou fazendo estas coisas. Sim,
escrever um poema é maravilhoso, escrever um artigo é maravilhoso, dar uma
palestra de Dharma é maravilhoso, mas é igualmente maravilhoso cuidar do
arbusto, cuidar das plantas, lavar os pratos e assim por diante. Por ser muito
enriquecedor, muito recompensador, isto pode trazer muita paz, alegria e
solidez para você.
Nós sabemos que a felicidade não
seria possível se não tivéssemos nenhuma estabilidade e solidez, porque sem o solo
da estabilidade e solidez nenhuma paz real, nenhuma felicidade real poderia ser
possível. Eis porque aprender a limpar as folhas, aprender a varrer o solo,
aprender a lavar os pratos é muito importante. Não diga que a meditação sentada
é mais importante ou que a meditação caminhando é mais importante, ou ouvir uma
palestra de Dharma é mais importante. Você escuta a palestra de Dharma para
poder limpar as folhas. Você escuta a palestra de Dharma para poder lavar os
pratos, corretamente e sabendo desfrutar isto.
Em Plum Village nós temos a vantagem de
ter muitos irmãos e irmãs que fazem o mesmo e quando vemos um deles praticando
nos sentimos apoiados. Eles não fazem nada demais. Eles apenas praticam, não
dizem nada a nós; eles simplesmente fazem. E quando nós os vemos agir, temos
uma chance de nos voltar para nós mesmos e fazer isto também.
A comunidade de prática é um grande
presente, como o raio de sol. Muitos franceses talvez tenham um dia de sol hoje
mas talvez porque muitos não tenham a capacidade de habitar no aqui e agora, o
raio de sol não significa muito para eles. Mas se você sabe como inspirar e
ficar consciente do raio de sol, terá um tipo diferente de sol. O sol existe
para você mas não para esses que estão tão ocupados, e que perdem tanto tempo
nas suas preocupações, no passado, no futuro. Pressupomos que a lua exista para
todos mas há alguns de nós que jamais vêem a lua, nunca obtêm algo da lua,
nunca desfrutam a lua.
Nós vivemos juntos em Plum Village durante uma semana, durante um mês ou três meses, durante um ano, e praticamos
juntos. Existem alguns de nós que estão bastante contentes, contudo existem
alguns de nós que não estão tão contentes; o mesmo ambiente, a mesmo Sangha, a
mesma prática e ainda assim recebemos diferentemente o volume de felicidade,
paz, estabilidade e alegria. E o que faz esta diferença? A diferença é nossa
capacidade de pôr em prática o ensinamento que nos é dado. O Buda foi bastante
claro nisto, a vida só está disponível no aqui e agora, com todas suas
maravilhas. Se você continuar correndo, estas maravilhas da vida não serão
suas. Assim, pare! Sorria ao sol, sorria à lua, sorria para seus irmãos ou
irmãs e especialmente, sorria para você.
Reconheça que você está presente.
Você precisa ser nutrido pela paz, pela alegria. Você tem se privado destes
elementos. É você mesmo que se privou da paz, alegria, nutrição e cura. Agora o
Dharma existe para lhe ajudar a parar este curso de vida. Olhe-se, sorria para
você, seja amável com você, trate-se com a prática. Aprenda a caminhar, aprenda
como respirar e sorrir, aprenda a limpar as folhas no jardim do pátio. É muito
importante. O Reino de Deus, a Terra do Buda está aqui mesmo para você tocar.
Se você observou os monges e as
monjas, se os observou em Plum Village, notará que enquanto eles caminham não
falam, quando falam eles param para falar e escutar, e depois de falar e
escutar, eles retornam ao seu andar. Por que eles fazem assim? Porque quando
eles falam e escutam, querem investir 100% de si no ato de falar e escutar. Eis
porque eles não falam enquanto estão caminhando; eles querem investir 100% de
si no ato de andar. Eles querem dar passos reais, passos que podem trazer
estabilidade para eles, solidez, liberdade porque sabem que a estabilidade, a
solidez é o solo da felicidade, assim eles caminham para ao mesmo tempo
cultivar e desfrutar disto.
Eis porque, se você vier a Plum
Village e seguir este tipo de exemplo, se unirá à prática. Não falar durante o
caminhar não é uma regra porque nós não queremos ser vítimas de regras, não
queremos absolutamente nenhuma regra, simplesmente queremos praticar. Se não
falamos, é porque queremos praticar. Não é que falar seja um crime. Mas se você
falar durante a prática, estará destruindo-a.
Nos ensinamentos do Buda, estar
preso a regras é algo que vocês não são encorajados a fazer. Deveríamos olhar
para isto como uma prática e não como regras, como os dez preceitos do
noviciado que nós temos aqui e que vocês ouviram ontem. Eles não são regras
para o noviço. Elas não existem para restringir a liberdade e a felicidade
dele. Elas existem para ajudá-lo a levar uma vida de noviço feliz. Porque estes
preceitos devem ser considerados como sendo a prática da consciência plena e se
vocês praticarem adequadamente preservarão sua liberdade, sua beleza, sua
felicidade. Se vocês pensam que estas dez coisas são regras às quais tem que se
submeter, tem que se render, vocês não entenderam, vocês não perceberam o
sentido real; eis porque o Buda disse: não seja escravo de regras e rituais.
Rituais e regras, nós não precisamos deles; precisamos apenas da prática.
Quando entramos no salão de Dharma
todo o mundo se levanta e une as palmas. Isso não é uma regra, é a prática. Quando
o professor entra no salão, não é afetado pelo respeito que é mostrado a ele.
Ele também pratica caminhando, conscientemente, a prática do andar atento é a
sua prática. Andar conscientemente é a sua prática, e o levantar-se, respirar e
mostrar respeito são as práticas de vocês. Estas duas coisas são igualmente
importantes. E se vocês olharem isto como um ritual, estarão errados. Se
olharem isto como uma regra, estarão errados, vocês devem ver isto como sua
prática, e a boa prática sempre pode ser reconhecida. Quando o professor
caminha, ele deveria ser uma pessoa livre, não é afetado pelo orgulho, complexo
de arrogância, esta é sua prática. Sua prática é ser respeitoso com o
professor, gostar de se levantar desta forma, inspirar, expirar, sorrir e tocar
as muitas gerações de professores na história. Quando você está em contato com
seu professor, você está em contato com o professor de seu professor, o
professor de sua professora, e você está em contato com muitas gerações de
professores, está em contato com o Buda, portanto esta é sua prática.
Eis porque você não reclama que deve
se levantar muito cedo e que o professor está caminhando muito lentamente. O
professor vive a prática dele e você a sua, todo o mundo está usufruindo disto,
e você saberá se sua prática está correta ou não. Você sabe por si se a prática
o está fazendo feliz, calmo, sólido. Você sabe que o professor cuida da prática
dele e você da sua, e nós não deveríamos olhar isto como uma regra ou um
ritual, caso contrário, estaremos presos a formas de rituais e regras, e o Buda
é contra rituais, meros rituais e regras.
Quando você segura um copo de água e
a bebe conscientemente, o ato é tão bonito e se parece com um ritual, certo?
Mas aquele que está segurando o copo e está bebendo não tem qualquer intenção
de fazer disto um ritual, uma performance. Ele simplesmente gosta de segurar o
copo e beber. Mas porque a plena consciência está lá, muito profunda, muito
forte, assim o ato se parece um ritual, mas não é ritual, é a prática.
Quando você se curva assim e sente
que sua mente e seu corpo estão unidos em concentração, em plena consciência, e
sente que está totalmente presente orientado para algo bom, verdadeiro e
bonito, a natureza da iluminação, a natureza do despertar em si, você recebe
algo, usufrui disto e não pensa nisto como um ritual. Mas se você faz isto como
uma máquina e quando vê pessoas simplesmente as imita sem entender, isso é um
ritual, é uma coisa ridícula de fazer, completamente vazia. Este tipo de ritual
está completamente vazio e nós não deveríamos fazer assim.
Assim em grandes retiros na América
Norte temos sempre pessoas novas, às vezes 50 ou 60% das pessoas que se juntam
ao retiro são pessoas novas e elas ficam envergonhadas, elas pensam nisto como
um ritual, elas não estão confortáveis. Eis porque eu sempre começo dizendo, se
curvar ou não se curvar, esta não é a questão! Curvar-se é um ritual, assim não
fique preso pelo ritual. Prática. Se você pensar que fazer isto lhe trará
concentração, insight e reverência, isso então irá lhe fazer bem, isso o fará
feliz e então você fará isto e estará livre de rituais, livre de regras.
Assim os dez preceitos do noviciado
são práticas que se direcionam para ajudar o noviço a ser livre, estar
contente, ser sólido e se você considerar os preceitos como algo que limita sua
liberdade, está errado, estará preso a rituais, será preso a regras e isso é
contra o espírito budista.
(Discussão de Dharma ministrada por
Thich Nhat Hanh em Plum Village em 5 de dezembro de 1999)
(Transcrito e editado por Carol
Fegan, Chan An Cu, Traduzido ao Português por Claudio Miklos)
Texto extraído em: http://sangavirtual.blogspot.com
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