Por Thich Nhat Hanh
“Ouça Shariputra, todos os dharmas são marcados com a
vacuidade. Eles não podem ser produzidos nem destruídos.” (Sutra do Coração)
Dharmas aqui, significam coisas. Um ser humano é um dharma. Uma árvore é um dharma. Uma nuvem é um dharma. O brilho do
sol é um dharma. Tudo que pode
ser concebido é um dharma. Portanto,
quando dizemos, “Todos
os dharmas são marcados com a
vacuidade,” estamos dizendo, tudo
tem a vacuidade como sua natureza. E é por isso que tudo pode existir. Há muita alegria nessa declaração. Significa que nada
pode nascer, nada pode morrer. Avalokita disse algo extremamente importante.
Em cada dia na nossa vida vemos nascimento e morte.
Quando uma pessoa nasce, uma certidão de nascimento é impressa para ele. Depois que morre, de forma a enterrá-lo, um certificado de óbito é feito. Essas certidões confirmam a existência do nascimento e da
morte. Mas Avalokita disse, “Não,
não há nascimento e morte.” Temos que olhar, mais
profundamente de forma a ver se essa declaração é verdadeira.
Qual é a data na qual você nasceu, sua data de nascimento? Antes dessa data, você já existia? Você já estava presente antes de
nascer? Deixe-me ajudá-lo. Nascer significa que de nada você se tornou algo. Minha
pergunta é, antes de nascer, você já estava presente?
Suponha que uma galinha está prestes a colocar um ovo. Antes de
ela colocá-lo, você acha que o ovo já estava presente? Sim, é claro. Está dentro dela. Você também estava dentro antes que
saísse. Isto significa que
antes de nascer, você
já existia – dentro de sua mãe. O fato é que se algo já está presente, não necessita nascer.
Nascer significa que do nada, você se tornou algo. Se você já é algo, qual o sentido de nascer?
Portanto, o chamado, dia do aniversário é na realidade seu dia de
Continuação. Na próxima vez que celebrar,
pode dizer, “Feliz dia de Continuação.” Acho que podemos ter uma
idéia melhor de quando
nascemos. Se voltarmos nove meses antes, para o momento da concepção, teremos uma data
melhor para colocar em nossa certidão de nascimento. Na China e também no Vietnã, quando nasce, já se considera que você tenha um ano de idade.
Portanto dizemos que nosso início se dá no momento da concepção no útero de nossa mãe, e escrevemos essa data
na nossa certidão
de nascimento.
Mas a questão permanece: Antes mesmo desta data você existia ou não? Se você disser, “Sim”, acho que está correto. Antes da sua
concepção, você já estava presente, talvez
metade na sua mãe,
metade no seu pai. Porque do nada, não podemos nos tornar algo. Você pode citar uma coisa que uma vez
tenha sido nada? Uma nuvem? Você acha que uma nuvem pode nascer do nada? Antes de ser uma
nuvem, era água, talvez flutuando em
um rio. Ela não era um nada. Você concorda?
Não podemos conceber o nascimento do nada. Há apenas continuação. Por favor, olhar ainda
mais para trás e você verá que você não apenas existia no seu
pai e mãe, mas também nos seus avôs e avós. Ao olhar mais
profundamente, posso ver que numa vida anterior eu era uma nuvem. Isto não é poesia, é ciência.
Porque eu digo que numa vida anterior eu era uma
nuvem? Porque eu ainda sou uma nuvem. Sem a nuvem, eu não poderia estar aqui. Eu sou a
nuvem, eu sou o rio, e o ar neste exato momento, portanto eu sei que no passado
eu fui uma nuvem, um rio e o ar. E eu era uma pedra. Eu era os minerais na água. Isto não é uma questão de crença em reencarnação. Esta é a história da vida na Terra.
Fomos gás, brilho do sol, água, fungos e plantas.
Fomos seres unicelulares. O Buda disse que em suas vidas passadas ele era uma árvore. Ele foi um peixe,
Ele foi um cervo. Estas não são coisas supersticiosas. Todos fomos uma nuvem, um cervo, um
pássaro, um peixe e
continuamos a ser essas coisas, não apenas em vidas passadas.
E não é apenas assim com o nascimento. Nada pode nascer e também nada pode morrer. Isto
foi o que Avalokita disse. Você acha que uma nuvem pode morrer? Morrer significa que de
algo você se tornou nada. Você acha que podemos
transformar alguma coisa em nada? Vamos voltar à nossa folha de papel. Podemos ter a
ilusão que para destruir toda
a folha tudo o que temos que fazer é acender um fósforo e queimá-la. Mas se queimarmos uma folha de papel, parte dela se
tornará fumaça e a fumaça subirá e continuará a existir.
O calor resultante da queima do papel entrará no cosmos e penetrará nas outras coisas,
porque o calor é
a vida seguinte do papel. A cinza que é formada se tornará parte do solo e a folha de papel, na sua vida seguinte,
poderá ser uma nuvem e uma rosa
ao mesmo tempo. Temos que ser muito cuidadosos e atentos de forma a perceber
que esta folha de papel nunca nasceu e nunca morrerá. Ela pode passar a ser outras
formas de vida, mas não somos capazes de transformar uma folha de papel em nada.
Tudo é assim, mesmo você e eu. Não somos sujeitos ao nascimento e morte. Um mestre Zen
poderia dar a seu aluno um tema de meditação como esse, “Como era seu rosto antes
que seus pais nascessem?” Este é um convite para ir em uma viagem de forma a se reconhecer.
Se você fizer bem feito, poderá ver suas vidas passadas
assim como as vidas futuras.
Lembre-se, por favor, que não estamos falando sobre filosofia,
estamos falando da realidade. Olhe para a sua mão e se pergunte, “Desde quando minha mão tem estado por aí?” Se eu olhar profundamente para
minha mão, poderei ver que ela
tem estado por aí
há um longo tempo, mais de
300.000 anos. Vejo muitas gerações de ancestrais nela, não apenas no passado mas no momento
presente, ainda vivas. Eu sou apenas uma continuação. Eu nunca morri nenhuma vez. Se eu
tivesse morrido uma vez ao menos, como minha mão ainda estaria aqui?
O cientista francês Lavoisier disse, “Nada é criado e nada é destruído.” Isto é o mesmo que está no Sutra do Coração. Mesmo os melhores
cientistas contemporâneos
não podem reduzir algo como
uma partícula de poeira ou um elétron a nada. Uma forma de
energia pode apenas se tornar outra forma de energia. Uma coisa nunca pode se
tornar nada e isso inclui uma partícula de poeira.
Usualmente dizemos que humanos vêm do pó e voltaremos ao pó e isto não soa muito alegre. Não queremos retornar ao pó. Há uma discriminação aqui achando que
humanos valem mais e que a poeira não tem valor nenhum. Mas cientistas não sabem ao menos o que é um grão de poeira! Ainda é um mistério. Imagine um átomo desse grão de poeira, com elétrons viajando em torno
do núcleo a 180.000 milhas por
segundo. É muito excitante. Voltar
a ser um grão de poeira será uma aventura muito
excitante!
Às vezes temos a impressão que entendemos o que é um grão de poeira. Até mesmo fingimos que
entendemos um ser humano – um ser humano que dizemos que voltará a ser um grão de poeira. Como vivemos
com uma pessoa por 20 ou 30 anos, temos a impressão que sabemos tudo sobre ela.
Portanto, ao dirigir o carro com a pessoa ao nosso lado, pensamos em outras
coisas. Não estamos mais interessados
nela. Que arrogância!
A pessoa sentada ali ao nosso lado é realmente um mistério! Apenas temos a impressão que a conhecemos, mas não sabemos nada ainda.
Se olharmos com os olhos de Avalokita, veremos que
mesmo um fio de cabelo da pessoa é o cosmos inteiro. Um fio de cabelo na sua cabeça pode ser uma porta se
abrindo para a realidade última. Um grão de poeira pode ser o Reino dos Céus, a Terra Pura. Quando você vir que você, o grão de poeira e todas as
coisas intersão, você entenderá que as coisas são dessa forma. Precisamos
ser humildes. “Dizer que não sabe é o começo do conhecimento”, é um provérbio chinês.
Um outono, eu estava em um parque, absorvido na
contemplação de uma bonita folha
muito pequena, na forma de coração. Sua cor era quase vermelha, e estava por pouco pendurada
no galho, quase pronta para cair. Eu fiquei um bom tempo com ela e perguntei à folha muitas questões. Eu descobri que a
folha tinha sido uma mãe para a árvore. Usualmente pensamos que a árvore é a mãe da folha. A seiva que as raízes captam é apenas água e minerais, e não é boa o suficiente para
nutrir a árvore, portanto a árvore distribui a seiva
para as folhas. E as folhas assumem a responsabilidade de transformar a seiva
bruta na seiva elaborada e com a ajuda do sol e gás, a devolvem de forma a nutrir a árvore. Portanto as folhas
são também a mãe da árvore. E como a folha é ligada à árvore por um talo, a comunicação entre elas é fácil de ver.
Não temos mais um talo nos ligando à nossa mãe, mas quando estávamos no seu útero tínhamos um longo talo, um
cordão umbilical. O oxigênio e os nutrientes que
precisávamos vinham para nós através desse talo.
Infelizmente, no dia que chamamos de dia do aniversário, ele foi cortado e recebemos a
ilusão que éramos independentes. Isto
é um erro. Continuamos a
depender de nossa mãe
por um longo tempo, e temos muitas outras mães também. A Terra é nossa mãe. Temos muitos grandes talos nos
ligando à nossa mãe Terra.
Há um talo nos ligando com a nuvem. Se não houvesse nuvem, não haveria água para bebermos. Somos
feitos de pelo menos setenta porcento de água e o talo entre a nuvem e nós está realmente presente. Há também a mesma situação com o rio, a floresta,
o lenhador e o fazendeiro. Há centenas de milhares de talos nos ligando a tudo no cosmos
de forma que possamos existir. Você vê a ligação entre você e eu? Se você não estiver aí, eu não estaria aqui. Isto é certo. Se você não vê isso ainda, olhe mais
profundamente e tenho certeza que verá. Como disse, não é filosofia. Você realmente tem que ver.
Eu perguntei para a folha se ela tinha medo porque
era outono e as outras folhas estavamm caindo. A folha me disse, “Não. Durante toda a primavera e verão eu estava viva.
Trabalhei duro e ajudei a nutrir a árvore, e muito de mim está na árvore. Por favor, não diga que eu sou apenas
esta forma, porque a forma da folha é apenas uma pequena parte de mim. Eu sou a árvore inteira. Sei que já estou dentro da árvore e quando eu for de
volta ao solo, continuarei a nutrir a árvore. É por isso que não me preocupo. Assim que eu deixar o galho e flutuar ao
solo, acenarei para a árvore e direi a ela, `Te verei novamente em muito em breve`” .
Logo eu vi um tipo de sabedoria muito parecido com a
contida no Sutra do Coração. Você tem que ver a vida. Não deveria dizer a vida da
folha, deveria apenas falar na vida na folha, na vida na árvore. Minha vida é apenas Vida, e você pode vê-la em mim e na árvore. Naquele dia havia
um vento soprando e depois de um tempo via a folha deixar o galho e flutuar
para o solo, dançando
alegremente, porque enquanto flutuava olhava para si mesmo já na árvore. Ela estava muito
feliz. Curvei minha cabeça e sabia que havia muito a aprender da folha porque ela não tinha medo – ela sabia que nada pode
nascer e nada pode morrer.
(...) Amanhã eu continuarei a ser. Mas você terá que ser muito atencioso para me
ver. Eu serei uma flor ou uma folha. Eu estarei nessas formas e direi alô para você. Se você tiver atenção suficiente me
reconhecerá e poderá me cumprimentar. Eu
ficarei muito feliz.
(Do livro “The heart of undestanding” – Thich Nhat Hanh)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)
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