Os Quatro Nutrientes
O Buda falou dos quarto tipos de nutrientes – alimentos,
impressões sensoriais, volição e consciência. O primeiro tipo, alimento, é o
que você come ou bebe. É responsável por seu bem estar ou mal estar físico e
mental. Diferentes comidas contêm diferentes toxinas e certos tipos de comida
podem ser inapropriadas para seu corpo. É por isso que temos que olhar na
natureza de nosso corpo e da comida que ingerimos para ver se eles são
compatíveis. Inspirando e expirando em plena consciência, perguntamos, “Essa
comida é compatível com meu corpo e minha consciência?” Seguindo a prescrição
da plena consciência você saberá o que consumir.
O primeiro nutriente: alimento
Nos ensinamentos de minha tradição, quando começamos a
comer, meditamos nas Cinco Contemplações. As duas primeiras contemplações são: “Este
alimento é presente de todo Universo, ele veio da terra, do céu, de numerosos
seres vivos e de muito trabalho árduo. Que possamos comê-lo em plena
consciência e com gratidão a fim de sermos dignos de recebê-lo.” Para ser digno
de receber nossa comida, temos que comer em plena consciência. Se não comermos
em plena consciência, não sentiremos gratidão e poderemos estragar nosso corpo
e consciência. Se comermos nossa comida com gratidão e plena consciência, somos
dignos dela.
A terceira contemplação é ser consciente de nossas formações
mentais negativas, especialmente nossa tendência de comer sem moderação. O Buda
sempre lembra a seus discípulos para comer moderadamente. A quarta contemplação
é ver se a comida que você está ingerindo é saudável e manterá seu corpo
saudável. Comida é um tipo de remédio. Deveria ser equilibrada em termos de yin
e yang. Olhando profundamente e em plena consciência para sua comida, você
saberá que tipos de comida pode comer e o que você deve abster de comer. A
quinta contemplação é: “Aceitamos este alimento para que possamos nutrir e
fortalecer nossa Sangha e cultivar nosso ideal de servir a todos os seres.”
Alguns de nós têm um sentimento de vazio, nervosismo e mal-estar
por dentro. Não sabemos como lidar com esses sentimentos desagradáveis, e por
isso há sempre algo na geladeira. Comemos e bebemos para esquecer a dor. Muitos
de nós fazem isso. Os monásticos nos avisam para sempre comermos com nossa
Sangha, a menos que estejamos doentes. Esta prática ajuda muito. Você pode
fazer isso com sua família, que é também sua Sangha. Na hora do jantar, quando
todos os membros da família estiverem sentados em volta da mesa, podemos
praticar as Cinco Contemplações. Podemos convidar as crianças para dizer em voz
alta as Contemplações. Cada um de nós pode olhar profundamente para sua comida
para ver se é apropriada. Deste modo podemos criar uma energia coletiva na
família que nos ajuda a comer apropriadamente e a não contaminar nossos corpos.
O Buda usava a seguinte imagem para ilustrar o primeiro
nutriente. Um casal começou uma viagem através do deserto com seu pequeno
filho. No meio do caminho no deserto, eles perceberam que as provisões tinham
acabado. Eles sabiam que iam morrer antes de terminarem a travessia. Depois de
uma dolorosa discussão, o casal decidiu matar o pequeno menino. Cada dia eles
comeram um pouco da carne do pequeno menino enquanto continuavam a caminhar
pelo deserto. Finalmente, eles conseguiram sair do deserto vivos. O Buda
perguntou aos monges, “Querido amigos, vocês acham que o casal gostou de comer
a carne do próprio filho?” Os monges responderam, “não.” Se não comermos
apropriadamente, se destruirmos a nossa saúde, se comermos e bebermos de tal
modo que seja tirada dos outros seres vivos a chance de viver, então estaremos
comendo a carne de nossos pais e filhos em nós e ao nosso redor.
O segundo nutriente: impressões sensoriais
O segundo tipo de nutriente são as impressões sensoriais.
Consumimos comida através de nossos olhos, nariz, ouvidos e corpo. Quando
dirigimos pela cidade, ouvimos sons, vemos imagens e sentimos odores, todos
estes considerados comida. Quando vemos um filme, estamos consumindo certo tipo
de comida. Muitos dos itens que consumimos contêm toxinas. Um programa de TV ou
novela podem ser altamente tóxicos. As notícias que lemos no jornal podem
trazer toxinas para nossa consciência. Nosso medo, stress e desespero são
nutridos por tais notícias, informações, visões e sons. Propaganda também promete
que se você comprar certo produto será mais feliz. “Felicidade é fácil – apenas
compre isso.” As visões e sons usados para capturar nossa atenção e que nos são
empurrados contêm toxinas. Temos que nos proteger e guardar nossos seis
sentidos contra essas toxinas enquanto dirigimos pela cidade.
O Buda disse que os olhos são um oceano profundo – ele
falava como um poeta – com ondas escondidas e monstros marinhos sob a
superfície. Se você não é plenamente consciente e não sabe como proteger e
guardar as portas dos seus sentidos, afundará no oceano das formas – às vezes
várias vezes ao dia. Com o barco da plena consciência, navegamos através do
oceano das formas e nos seguraremos firmemente para que nosso barco não afunde.
O Buda também disse que o ouvido é um oceano profundo com muitas ondas
escondidas e monstros marinhos. Se você não está plenamente consciente, pode
afundar no oceano dos sons.
Depressão também é nutrida pelas visões e sons. Não acontece
sozinha. É criada e nutrida diariamente pelo nosso modo de consumir. Andando
conscientemente através do aeroporto de Paris, vi muitos anúncios de perfumes
chamados “Samsara”, “Scorpion” (Escorpião) e “Poison” (Veneno). Eles ousam
chamá-los por seus verdadeiros nomes. Sabemos que perfume é um item de consumo
e uma isca. Em uma isca há o anzol, e nos somos os peixes inocentes. Os
produtos são anunciados, tão habilmente e a isca é tão atrativa que com uma
mordida, somos pegos. O que temos para nos defendermos? Nada exceto a nossa
plena consciência.
Plena consciência é o único agente que pode guardar a porta
dos nossos seis sentidos e nos proteger. Os Cinco Treinamentos de Plena
Consciência são insights daqueles que praticam plena consciência. Eles são
prescrições concretas para nossa proteção diária. Se vivermos baseados nos
Cinco Treinamentos nos protegeremos, e também nossas famílias e nossa
sociedade. Os Cinco Treinamentos não foram criados por um deus ou são impostos
a nós. Eles são fruto da nossa visão profunda. Estando conscientes do
sofrimento causado pelo consumo não consciente, estamos determinados a não
consumir itens que tragam toxinas, desarmonia, dor e tristeza para dentro de
nós, destruindo nosso bem-estar físico e mental. Os Cinco Treinamentos não são
um conjunto de regras, mas guias para prática de plena consciência. Precisamos
nos treinar para viver de acordo. Esta é a sabedoria da auto-proteção.
O Buda usou a imagem de uma vaca com doença que destruiu a
maioria da sua pele para representar o segundo tipo de nutriente: impressões
sensoriais. Se a vaca ficar perto de uma parede velha ou árvore velha, todos os
insetos da parede ou árvore sairão e se fixarão no seu corpo e sugarão seu
sangue. Sem plena consciência, as impressões sensoriais a que somos expostos,
nos destruirão um pouco a cada dia e as toxinas penetrarão no nosso corpo e
consciência. Assim como a vaca precisa de uma pele saudável para se proteger,
precisamos da prática da plena consciência para guardar nossos seis sentidos.
O terceiro nutriente: volição
O terceiro tipo de nutriente é a volição – nosso desejo mais
profundo. Este tipo de energia nos empurra para fazermos as coisas em nossa
vida diária. Temos que olhar profundamente para dentro de nós para ver que tipo
de energia motiva nossas ações diárias. Estamos constantemente trabalhando duro
de forma a ir a algum lugar ou fazer algo. Qual é o objetivo deste tipo de atividade?
O terceiro nutriente nos motiva e pode nos trazer muita felicidade ou
sofrimento.
Que tipo de energia Madre Teresa tinha em sua vida diária?
Ela tinha o desejo de ajudar as pessoas pobres, sem recursos, apoio ou
proteção. O desejo de aliviar o sofrimento de muitas pessoas é uma tremenda
fonte de energia. Se você tem a mesma intenção – volição – dentro de você, sua
vida será preenchida com felicidade. Quando compaixão – o desejo de aliviar o
sofrimento dos outros – está dentro de você e te motiva, você pode se
relacionar com as pessoas facilmente e ter uma vida simples. O alívio e
felicidade que você leva para as pessoas pode ser sua recompensa. Quando você pode
fazer uma pessoa sorrir, se sente maravilhoso. Não quer a recompensa, mas ela
chega a você de qualquer forma. Há pessoas cheias de ódio que querem viver de
forma a punir a pessoa que odeiam. Tal pessoa não pode ser feliz por que sua
única intenção e fonte de energia é o ódio. Se estivermos motivados por uma energia
negativa, nossa vida será cheia de sofrimento.
Sidarta Gautama tinha uma fonte vital de energia dentro
dele. É por isso que durante 45 anos ele trabalhou diligentemente e ajudou
muitas pessoas – reis, ministros, mendigos e prostitutas. Ele ajudou a todos
porque era motivado pelo desejo de aliviar o sofrimento deles. Todos nós
precisamos estar conscientes da natureza da nossa fonte de energia, porque ela
determina a qualidade de nossa vida. Se esta energia é somente desejo – por
fama, riqueza ou sexo – então ela nos fará sofrer.
O Buda usou a seguinte imagem para ilustrar o terceiro tipo
de nutriente. Ele descreveu uma pessoa que quer viver e não quer sofrer, mas
que é carregada por dois homens fortes e jogada em uma fogueira. Os dois homens
fortes representam a volição, uma energia que nos empurra em direção ao
sofrimento e morte. Como meditadores, devemos gastar tempo sentando e olhando
para dentro de nós mesmos diariamente para identificar a fonte de energia que
nos está empurrando e a direção em que estamos indo. Devemos ver se nossa
intenção está nos trazendo sofrimento e desespero. Se for assim, devemos
liberá-la e achar outra fonte de energia.
O quarto nutriente: consciência
O quarto tipo de nutriente é a consciência, a base para a
manifestação de nosso corpo, nossos estados mentais e nosso ambiente. A
consciência representa a soma de todas as ações que foram feitas: pensamentos,
falas e atos do corpo. A maturidade da consciência traz a tona a manifestação
do nosso corpo atual, nossos estados mentais atuais, e nosso ambiente atual. A
consciência aqui é descrita em termos da mente iludida, a mente caracterizada
por visões errôneas e aflições que resultam de volições não saudáveis. O sofrimento
dos três reinos (desejo, forma e não forma) é a retribuição de nossas ações que
determina a natureza e qualidade de nossa consciência. Se a consciência se
alimenta de um tipo de comida saudável (Visão Correta, Pensamento Correto,
Plena Consciência Correta, Fala Correta, Concentração Correta, etc.) ela
experimentará transformação e se tornará mente verdadeira, que servirá como
base para manifestação de um corpo saudável, estados mentais felizes e
benéficos e um ambiente são e bonito.
O Buda usou a seguinte imagem para ilustrar o quarto
nutriente. Um criminoso foi preso. O rei deu a ordem de esfaqueá-lo com cem
facadas. O criminoso não morreu. A mesma punição foi repetida ao meio dia e a
tarde. Ainda assim ele não morreu. A punição foi repetida no dia seguinte e no
próximo.
Permitimos que nossa consciência seja alimentada todo dia
com o veneno da ignorância, ganância, fala não benéfica e desejos não
saudáveis. Nossa consciência continua a crescer na direção da mente iludida e
traz a tona muito sofrimento. Poderíamos mudar o alimento de nossa consciência
e ajudá-la a crescer na direção oposta, a direção da mente verdadeira. À luz
dos ensinamentos relativos aos Doze Elos da Origem Interdependente, consciência
resulta da ignorância e dos impulsos não benéficos.
Sabemos que entendimento e compaixão são fontes de energia
que podem trazer às pessoas à nossa volta muita felicidade, de forma que
praticamos o seu cultivo. O Buda disse, “se você olhar para dentro do mal-estar
e identificar a origem do nutriente que o trouxe até você, já estará no caminho
da emancipação.” Você já começou a ser liberado. Precisa apenas de cortar a
fonte desses nutrientes para se libertar deles. Poucas semanas depois, você
notará a diferença. Nada pode sobreviver sem comida; se você cortar a sua
fonte, sua depressão, tristeza ou desespero irão morrer.
Identificando a origem dos nutrientes, você percebe a
Segunda Nobre Verdade: samudaya, a criação do mal-estar. Você sabe que o
oposto de samudaya – bem-estar – é possível. Sabe que para alcançar
bem-estar, precisa cortar a origem dos nutrientes errados e achar os corretos –
Visão Correta, Entendimento Correto, Fala Correta, Modo de Vida Correto,
Concentração Correta e assim por diante. O Nobre Caminho Óctuplo pode trazer
bem-estar e por fim ao mal-estar. O outro caminho é o ignóbil caminho do
consumo sem plena consciência. Das Quatro Nobres Verdades, duas falam do
mal-estar e da sua criação, enquanto que as outras duas falam do bem-estar e o
caminho que leva à restauração. Este é o conteúdo da primeira palestra de
Dharma que o recém iluminado Buda ofereceu a cinco monges em Deer Park.
(Do livro “The Path of Emancipation” – Thich Nhat Hanh –
traduzido por Leonardo Dobbin)
Comente esse texto em http://sangavirtual.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário