Todos sabemos que a construção de uma sociedade justa, democrática e civil não depende apenas daquilo que fazemos mas, acima de tudo, daquilo que somos. Temos que ser a própria mudança antes que possamos fazer mudanças em nossa sociedade. Estar em paz é a base para gerar paz. Sem transformação e cura pessoais não seremos suficientemente calmos e compassivos para usar a fala amorosa e a escuta profunda, e nossos esforços não ajudarão a mudar nossa sociedade. Assim, nossa prática pessoal e a prática de nossa sangha são essenciais para a mudança que queremos ver no mundo.
As raízes
da guerra e do conflito estão dentro de nós. Temos que reconhecer as aflições
dentro de nós, abraçá-las e transformá-las: raiva, ódio, discriminação,
orgulho, desespero. A prática consiste em olhar profundamente suas raízes,
compreendê-las e aprender a transformá-las. Precisamos dar ouvidos ao nosso
próprio sofrimento e ao sofrimento de nossa família, comunidade e nação.
Devemos ser capazes de ajudar uns aos outros a reconhecermos que essas aflições
existem em cada um de nós e que ao longo de nossas vidas temos permitido o
desenvolvimento dessas aflições.
Assim,
cada um de nós deve assumir o compromisso de não regar as sementes de
violência, ódio, discriminação e desespero que estão em nós. Em nossos
relacionamentos com nossos cônjuges, ou entre pai e filho, mãe e filha, irmão e
irmã, precisamos ajudar uns aos outros na prática, aprendendo sempre a ouvir o
outro com compaixão, sempre utilizando a fala amorosa para ajudá-lo a
reconhecer as aflições que carrega dentro de si. Também devemos usar a fala
amorosa para regar as sementes de compreensão, compaixão, alegria e irmandade
inerentes ao outro. Devemos nos ajudar para que possamos trazer a cura a nossas
relações pessoais antes que possamos ajudar a curar a humanidade e a Terra. A
cura é possível através de cada respiração, cada passo, cada pensamento, cada
palavra e através dos atos mais simples, como sorrir para alguém.
A Terra
está padecendo, nossa sociedade está padecendo e há tanto desespero e
violência. Práticas budistas, como o Pensamento Correto (ou seja, pensar com
base na não-discriminação, compaixão e compreensão), Fala Correta, Ação Correta
e Modo de Vida Correto são cruciais para a cura de que todos necessitamos. Os
jovens devem aprender a praticar o Nobre Caminho Óctuplo em suas famílias e nas
escolas. As negociações de paz terão êxito apenas se ambas as partes em
conflito tiverem compreensão mútua e souberem como fazer uso da escuta profunda
e da fala amorosa. E este tipo de treinamento deve começar nos níveis mais
básicos da educação. É isto que entendemos por educação da paz e é a forma de
sairmos da guerra e da violência.
O
Manifesto de 2000 da UNESCO contém 6 pontos e equivale à prática dos Cinco
Treinamentos da Plena Consciência. Tanto os seis pontos quanto os Cinco
Treinamentos abordam as questões de paz e justiça social no nível mais
fundamental. Na tradição budista, após receber os Cinco Treinamentos da Plena
Consciência, a pessoa que os tomou deve recitá-los a cada duas semanas e
participar de sessões de estudo e discussões do Dharma para entrar mais a fundo
em seus significados e para descobrir melhores formas de colocá-los em prática
na vida diária, tanto na família como na sociedade.
Os Cinco
Treinamentos nos ajudam a viver com mais simplicidade, dando-nos o tempo e a
energia necessários para proteger a vida e ajudar aqueles que precisam
realmente de nós. É possível ser feliz com uma vida simples, com tempo para
tomarmos conta de nós mesmos, de nossa família, daqueles que sofrem e, ao mesmo
tempo, promovermos uma justiça social maior. Muitos de nós correm atrás da fama,
do poder, do sexo e do dinheiro durante toda a vida, mas mesmo aqueles que têm
essas 4 coisas em abundância continuarão sofrendo muito se não tiverem
compreensão e amor.
Quando
praticamos o segundo treinamento da generosidade para oferecermos nosso tempo,
energia e recursos materiais àqueles que necessitam realmente deles, nossa vida
torna-se repleta de significado e realização. O Budismo e a prática dos Cinco
Treinamentos têm muitos meios para levar mais justiça e compaixão à sociedade.
Com plena consciência, compaixão e compreensão dentro de nós, agimos
naturalmente, levando a cura a nossas relações, comunidade e sociedade. Devemos
estar cientes das situações de injustiça, como desigualdade entre gêneros e a
exclusão da mulher, a opressão de minorias, a exploração das crianças e dos
pobres.
Há muitas
formas de falarmos sobre injustiça e de chamarmos a atenção daqueles que sofrem
e não são ouvidos. Podemos organizar passeatas para promover a paz, pois cada
passo é um movimento em direção à paz. Não se trata de uma demonstração ou de
um protesto, mas sim de uma verdadeira manifestação de paz, de irmandade.
Podemos escrever declarações de amor a nossos políticos e representantes. Nossa
sangha de Plum Village ofereceu retiros de plena consciência para policiais,
membros do Congresso dos EUA, artistas e cineastas, ambientalistas,
psicoterapeutas, líderes do comércio, assim como israelenses e palestinos. Os
Cinco Treinamentos Budistas da Plena Consciência e os seis pontos do Manifesto
de 2000 são a verdadeira prática da compreensão e do amor. São o caminho para
uma sociedade justa.
O Budismo
Engajado é o primeiro de todos os tipos de Budismo praticado ao longo de todo o
dia, ininterruptamente, vivendo em plena consciência e concentração quando
caminhamos, dirigimos, cozinhamos, vamos ao banheiro, etc. O Budismo Engajado
também é a nossa prática dos Cinco Treinamentos da Plena Consciência dentro de
nosso ambiente social. Praticamos a compreensão e o amor em nossa família,
escola, local de trabalho, hospital, prisão, fábrica, exército, prefeitura e
governo. Não precisamos usar termos budistas para trazer a prática à nossa vida
diária.
A
presença de plena consciência, concentração e insight, o espírito do interser,
a não-discriminação, compreensão e compaixão são a própria presença do Budismo.
Não temos que converter as pessoas ao Budismo, mas podemos inspirá-las a viver
e trabalhar de acordo com este caminho nobre. Podemos encontrar felicidade no
desenvolvimento da compreensão e da compaixão. Nosso índice para medir a
felicidade, o sucesso e o progresso de nossa nação não deve ser o Produto
Interno Bruto ou nosso poder aquisitivo, mas sim nosso nível de compreensão e
compaixão.
Os quatro
Brahmaviharas (bondade amorosa, compaixão, alegria e equanimidade) são energias
ilimitadas que podem ser desenvolvidas para nossa felicidade e para a
felicidade do mundo. Essas energias jamais ocorrem em excesso. A prática da
produção e do consumo conscientes (o Quinto Treinamento da Plena Consciência)
garante que sempre seguiremos o caminho do desenvolvimento sustentável. A
verdadeira felicidade deve ser a base de nossas políticas de produção, consumo
e desenvolvimento.
Nossa
sabedoria é o interser, a Visão Correta Budista do mundo, no sentido de que
tudo depende de todo o resto para se manifestar. Se outras espécies não podem
sobreviver, então os humanos também não sobreviverão. Proteger o ambiente é
proteger a nós mesmos. Não somos apenas nosso corpo e espírito, somos também
nosso ambiente. Nosso ambiente é a retribuição de nossa ação coletiva (karma).
Viver com simplicidade, desenvolver a compreensão e o amor, cuidar de nosso
ambiente, assumir um compromisso em prol do desenvolvimento sustentável - em
outras palavras, seguir o caminho do Buda.
Texto
extraído do blog: http://www.sangavirtual.blogspot.com.br/
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