Por J. Krishnamurti, tal como impresso na revista The Herald of Star no número de Maio de 1925
Penso que não existe tema mais interessante ou mais prometedor, ou de forma
alguma mais excitante, do que o estudo de nós mesmos. Aos 15 ou 16 anos, estamos
submersos em nós mesmos. Não há nada que nos interesse tanto. Depois
apaixonamo-nos por alguém; mas ainda assim estamos extasiados com nós próprios.
Há, descobrimos, muito mais inteligência no estudo de nós mesmos, e muito pouco
pensamento dedicado aos outros. E de bom grado damos a uma quiromante 15 rupias
para ela nos contar tudo sobre nós. E sentimo-nos bastante confortáveis com o
pensamento de que iremos ser grandes um dia – sem, aparentemente, ter que lutar
por essa grandeza. Existe apenas um tema que nos atrai e esse somos nós mesmos.
Discutimo-nos, e de uma forma aprobatória consideramos como nos comportar, de
que modo desenvolvermo-nos, e por aí em diante.
Parece-me que se pensarmos inteiramente deste ponto de vista, deste ponto que
unicamente nos interessa a nós, não entenderemos porque é que existimos, ou
porque qualquer coisa neste mundo, de todo, existe. Claro que é verdade que
primeiro temos de nos compreender a nós mesmos antes de querer descobrir seja o
que for sobre a vida em geral. Filosofia, religião e outros temas não possuem
real valor, real controlo sobre um indivíduo, ou apenas têm uma pequena
influência, quando somente apontam como podemos escapar a certas coisas, como
evitar o mal, e por ai fora. Mas aqueles de nós que são membros da Star, ou
pertencem a tais organizações, deverão ter a ideia de um plano definido que está
a desenvolver-se.
Estamos em posição de examinar as coisas que nos são mais valiosas – coisas
que produzem em nós o desejo de evoluir. Em todos nós existe o desejo de
descobrir por nós mesmos até onde podemos compreender quem somos e o que nos
afecta. A pessoa comum está de longe mais interessada nela mesma do que em
qualquer outra. Luxúria, conforto, felicidade, tudo tem que apoiar os seus fins.
Quando tudo foi feito para a satisfazer então somente pensa nos outros. Quando
eu tiver comido e dormido o suficiente, voltar-me-ei para pensar nos outros.
Esta é a visão comum. Se tiveste amor em abundância, ou felicidade, és levado a
pensar no outro.
Mas para alcançar essa felicidade, devemos descobrir até onde nos encaixamos
num plano definido. Devemos estar cientes de que há um plano em que cada um de
nós tem um papel a representar, e devemos possuir a determinação na qual
agiremos, com a qual deveremos criar o ambiente no qual caberemos – ou não; e se
estivermos dispostos a procurar com a atitude correcta deveremos ser capazes de
descobrir até onde nos encaixaremos nesse plano. Para mim, posso imaginar que os
deuses eleitos disseram que Krishna deverá encaixar-se num certo plano
estabelecido, e que o quer que seja que ele faça, não terá valor, e enquanto
encaixar nesse plano, Krishna crescerá e será feliz. Eu estava interessado e
observava-me a mim mesmo, e podia ver de ano para ano uma mudança definida, uma
orientação definida, uma transformação definida e podia ver qual era o meu
definido papel. E assim cada um de nós deverá descobrir que caminho percorrer e
qual a especialidade a ter.
Acontece frequentemente que a maioria de nós está disposta a subir até ao
altar e verter a nossa devoção. A devoção existe, em diversos graus, na maioria
de nós, mas não pode nem deve satisfazer-nos. Se eu fosse ter com a Dr.ª Besant
e lhe disesse: “Estou disposto a servi-la em qualquer das minhas capacidades.
Estou disposto a sacrificar tudo e o meu único desejo é trabalhar para obter
conforto, independência, e por aí fora,” ela diria, “Oh, muito bem; que
capacidades trazes contigo. De que modo queres prestar serviço ao Mestre?” A
devoção deve ter um escape na actividade física; e desta forma se tivermos de
determinar qual o papel que cada um de nós tem de representar, antes de nos
oferecermos, devemos descobrir quais as capacidades que temos. Quando para um
Teósofo ou um membro da Star ou qualquer outro, o chamamento aparece como
“sacrifica tudo e vem ao Mestre,” não é suficiente pedir ao Mestre que aceite
somente a nossa devoção; devemos dar-lhe qualquer coisa que lhe permita
guiar-nos. Por outras palavras, devemos trazer perante o Mestre certas
capacidades e não aparecer apenas de mãos vazias. Se eu puder chegar junto do
Mestre e dizer “Eu posso fazer isto ou aquilo, eu posso escrever ou pintar ou
compor música ou representar,” Ele dirá: “Muito bem, esse é o teu caminho. Vai e
procura, descobre quais são os teus talentos, e logo que os encontres, saberás
como sofrer e servir.” Pois existem muito poucos que realmente conseguem dizer,
“Eu posso fazer isto; ao longo desta linha reside o meu sacrifício ao serviço do
Mestre.” Consideramos que nos sacrificámos quando terminamos sem algo do qual
podemos facilmente abrir mão.
Se eu tivesse imaginado algo em particular que o Mestre quisesse realizado,
eu tratá-lo-ia de outro modo. E se eu precisasse de riquezas, tê-las-ia
acumulado, não para mim, mas para o Mestre, e ao acumula-las, saberia que tinha
que me sacrificar, e tinha que suportar enormes sofrimentos e mal-entendidos.
Mas é a atitude que conta. Estamos com medo de que as nossas capacidades não nos
guiem pelo caminho que nos foi preparado. Assim temos que descobrir antes de
servir realmente, de que maneira cada um de nós pode servi-Lo, de que modo
podemos oferecer o nosso sacrifício, e ao descobrir qual o nosso caminho
deveremos descobrir a qual tipo pertencemos, se ao tipo que vai para o mundo e
se desenvolve no mundo, por assim dizer, ou é deixado numa estufa e evolui, como
uma planta, igualmente cheio de força. Há pessoas que trabalham no mundo por
vários anos, que trabalham e fazem de tudo sem descobrir qual o propósito da
vida. Descobrem o seu propósito por acaso, mas acumularam tanto do que o mundo
tem para dar que ao entrarem em contacto com as realidades espirituais abrem mão
de tudo o que adquiriram, enquanto aqueles que cresceram numa estufa separados
do mundo alcançam o objectivo por outro caminho.
Portanto tal não tem importância desde que tenhamos aprendido o que ambas as
guerras de identidade podem oferecer, e não até então estarão aptos a servir o
mundo. Imaginem apenas uma pessoa que é criada, diga-se, num templo onde é
reprimida, onde desenvolve complexos. Assim que essa pessoa sai lá para fora
para o mundo, tem a melhor das diversões; e é o mesmo com a pessoa que trabalha
cá fora no mundo. Não podemos evoluir ao longo de uma linha definida. Devemos
evoluir em todas as direcções e até lá não ajudamos e só atrapalharemos.
Tal como eu conheço o meu próprio caminho, também cada um de nós deverá
descobrir o seu caminho e até essa descoberta ser feita não devemos estar
prontos ou aptos para servir o Mestre. Aqueles de nós que têm imaginação, que em
certo grau têm a capacidade de tomar uma visão impessoal da vida, podem
descobrir isto. Mas a maioria de nós não têm o desejo de servir, nem o desejo de
alcançar o seu caminho ou objectivo.
O nosso problema é que tal como no mundo exterior, temos os nossos direitos
adquiridos. E desde que exista o elemento de egoísmo, não descobriremos o
caminho. Cada um de nós quer que o Mestre desça até si; mas o que não aprendemos
foi que, mesmo como imaginamos, se Ele descesse das nuvens, seríamos incapazes
de O servir, porque não nos equipámos para Lhe prestar serviço.
Devemos descobrir de que maneira podemos servir, e isso implica a completa
violação de nós mesmos, das nossas relações, etc. Não é que não tenhamos o
desejo, nem a nostalgia que as grandes pessoas têm; mas em nós não é constante.
Não existe aquela pressão contínua que nos mantêm a andar, a andar, a andar.
Significa verdadeiro sacrifício, significa subjugar-nos em tudo e não deixar o
ego (a personalidade, o eu) ficar-se por cima. Então deixaremos de distorcer as
coisas para que se encaixem nos nossos preconceitos, mas compreendê-las-emos de
um modo total; por outras palavras, tornam-se realmente simples.
Devemos ter a coragem e determinação para desistir; e quando subimos e
atingimos uma certa distância, descobrimos o quanto de tolos somos ao lutar pelo
que é tão trivial, tão simples. Existem tantos temas com os quais lutamos de uma
forma tão complicada; mas se nós apenas nos deixássemos expandir um pouco, todos
estes temas se tornavam simples, todas as complicações desapareceriam. Mas
requer que nos observemos constantemente, que estejamos atentos para ver se
estamos a fazer a coisa certa ou a coisa errada.
Cada um de nós sabe destas coisas de fio a pavio, e mesmo assim se o Mestre
chegasse e perguntasse o que cada um de nós soube fazer, de que modo agimos na
sua ausência, de que modo cumprimos o nosso papel, quais seriam as nossas
respostas? É surpreendente como não conseguimos mudar, como devíamos, tal e qual
uma flor. A nossa crença embora forte, não é a crença de um homem que age com
uma determinação fixa. Essas são, no entanto, as pessoas que o Mestre quer ao
Seu serviço, e não somente aquelas que são apenas devotas, sem que essa devoção
as conduza à acção. Se nós conseguirmos pôr de lado a nossa própria evolução, e
trabalhar e esquecermo-nos de nós mesmos no trabalho, então seremos
verdadeiramente servis e aproximar-nos-emos do Mestre. Pode ser que eu seja
jovem, que eu não tenha sofrido como os mais velhos já sofreram, mas se o
sofrimento pode desalentar o entusiasmo então mais vale não tê-lo. Mas o que foi
que nos ensinou o sofrimento?
Como disse no início, não existe nada tão absorvente como o estudo de nós
mesmos. Esse é o único assunto sobre o qual vale a pena pensar; porque significa
mudança. Não existe ninguém para forçar os mais velhos, e portanto ficam
cristalizados. O que interessa é descobrir o que podemos fazer e até onde nos
podemos sacrificar; quanta é a nossa força e quais as nossas capacidades. Quando
vemos pessoas numa atitude de reverência, penso frequentemente no que terão
feito por via do sacrifício.
Nos anos que estão para vir, ou temos que nos adaptar rapidamente à corrente
em mudança, ou sair completamente dela. Quando definitivamente agarrarmos um
vislumbre do Plano, por mais passageiro que seja, e sabendo que devemos
continuar, simplesmente continuaremos, porque é muito mais divertido do que
somente marcar o tempo. O que interessa é termos de fazer qualquer coisa para
mudar. A velhice não significa que não podemos mudar. Por outro lado, é mais
fácil para os mais velhos, porque eles já tiveram a experiência, e o sofrimento;
no entanto continuam do mesmo velho modo de perpétua negligência. Se querem
ganhar dinheiro, vão e ganhem milhões, e dêem-nos ao Mestre, e podem fazê-lo se
tiverem a atitude correcta. E é o mesmo com tudo o resto que queiram fazer –
escrever á maquina, estenografar ou qualquer outra coisa que desejem que seja o
vosso serviço para o Mestre. A atitude é o que conta e quando chegarem lá todo o
resto se seguirá
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