No momento em que você
sente raiva, você tem a tendência de acreditar que seu sentimento foi criado por
outra pessoa. Você culpa esta pessoa por todo o seu sofrimento. Mas, ao fazer um
exame profundo, você talvez perceba que a semente da raiva que existe em você é
a principal causa do seu sofrimento. Muitas outras pessoas, quando confrontadas
com a mesma situação, não ficariam com a raiva com que você fica. Elas ouvem as
mesmas palavras, presenciam a mesma situação, mas são capazes de permanecer mais
calmas, sem se deixarem afetar tanto pelas circunstâncias. Por que você se
enraivece com tanta facilidade? Talvez isso aconteça porque a semente da raiva é
muito forte, e como você não praticou os métodos destinados a cuidar bem da
raiva, a semente dela pode ter sido rega da no passado com excessiva freqüência.
Todos temos uma semente
da raiva nas profundezas da nossa consciência. No entanto, em alguns de nós,
esta semente é maior do que nossas outras sementes como a do amor e a da
compaixão. A semente da raiva pode ser maior por não ter sido cuidada através da
nossa prática no passado. Por isso, como já disse, quando começamos a cultivar a
energia da plena consciência, a primeira coisa que percebemos com clareza é que
a principal causa do nosso sofrimento, da nossa aflição, não é a outra pessoa, e
sim a semente da raiva que existe em nós. Nesse momento, paramos de considerar a
outra pessoa culpada do nosso sofrimento. Compreendemos que ela é apenas uma
causa secundária. Você sente um enorme alívio ao descobrir isso e começa a se
sentir muito melhor. Mas a outra pessoa pode ainda estar sofrendo porque não
aprendeu a cuidar da própria raiva. Quando isso acontece, está na hora de ajudar
o outro.
Quando não sabemos lidar
com o nosso sofrimento, deixamos que ele se derrame sobre as pessoas que estão
em volta. Quando você sofre, faz com que as pessoas ao seu redor também sofram.
Isso é bastante natural. É por esse motivo que temos que aprender a lidar com o
nosso sofrimento, para não o espalharmos em torno de nós. Quando você é o chefe
da família, por exemplo, você sabe que o bem-estar dos seus familiares é
extremamente importante. Como você tem compaixão, não permite que seu sofrimento
afete os que estão à sua volta. Você pratica e aprende a lidar com seu
sofrimento porque sabe que nem ele nem sua felicidade são uma questão
individual.
Quando você está com
raiva e não quer lidar com ela, fica sem defesa, sofre, e também faz as pessoas
à sua volta sofrerem. Sua primeira reação é achar que a pessoa que causou a
raiva merece ser punida. Tem vontade de castigá-la porque ela fez você sofrer.
Mas, depois de praticar durante dez ou quinze minutos a respiração, a meditação
andando e o olhar consciente, você compreende que ela precisa de ajuda e não de
punição. Esta é uma percepção justa. Essa pessoa pode ser alguém muito próximo a
você sua esposa, seu marido, algum dos filhos. Se você não ajudá-la, quem o
fará?
Depois então de acolher e
abraçar a raiva, sentindo-se muito melhor, você nota que a outra pessoa continua
a sofrer. Esta percepção gera em você um movimento em direção a ela, num grande
desejo de ajudá-la. Trata-se de uma forma completamente diferente de pensar e de
sentir, pois o desejo de punir simplesmente desapareceu. A raiva se transformou
em compaixão.
A prática da plena
consciência nos torna mais atentos e perspicazes. Esta capacidade de
discernimento é fruto da prática que pode nos ajudar a perdoar e a amar. Num
período de quinze minutos, ou de meia hora no máximo, a prática da plena
consciência, da concentração e do discernimento é capaz de libertar você da
raiva, enchendo seu ser de amor.
Quando você entende o
sofrimento da outra pessoa, você é capaz de transformar seu desejo de punir,
passando apenas a querer ajudá-la. Quando isso acontece, você sabe que sua
prática teve êxito. Você é um bom jardineiro.
Dentro de cada um de nós
existe um jardim, e cada praticante precisa voltar para dentro de si mesmo e
cuidar dele. Talvez no passado você tenha se dado conta disso. Agora, então,
precisa saber o que está acontecendo no seu jardim e procurar colocar tudo em
ordem. Restaure a beleza e restabeleça a harmonia do seu jardim. Muitas pessoas
se encantarão com seu jardim se ele for bem cuidado.
Quando éramos crianças,
aprendemos a respirar, a andar, sentar, comer e falar. Fizemos tudo isso
instintivamente sem pensar. O que eu proponho agora é que tomemos consciência
dos nossos atos para renascermos espiritualmente. Para isso, temos que aprender
a respirar de novo, de um modo consciente. Aprender a andar de novo,
conscientemente. Aprender a ouvir de novo, com consciência e compaixão. Aprender
a falar de novo, com a linguagem do amor, para honrar nosso compromisso
original. Dizer a nossa verdade, com respeito e suavidade, e acolher a do outro:
"Meu amor, estou sofrendo. Estou com raiva. Quero que você saiba disso".
Esta frase expressa a
fidelidade ao nosso compromisso. Meu amor, estou fazendo o melhor que posso.
Estou cuidando da minha raiva. Para o meu bem e para o seu. Não quero explodir,
destruir a mim e a você. Estou fazendo o melhor que posso." Esta lealdade
provocará respeito e confiança na outra pessoa. E finalmente diremos: "Meu amor,
preciso da sua ajuda." Esta é uma declaração muito poderosa, porque, quando
estamos com raiva, geralmente temos a tendência de dizer: "Não preciso de você,
não quero te ver pela frente." Se você puder dizer as três frases anteriores com
sinceridade, do fundo do coração, o outro passará por uma transformação. Não
duvide dos efeitos dessa prática.
Com o seu comportamento,
você consegue influenciar a outra pessoa e incentivá-la a começar a praticar.
Ela pensará e sentirá: "Meu parceiro está sendo fiel falando a verdade. Ele está
de fato tentando fazer o melhor possível. Preciso fazer a mesma coisa." Isso
significa que, quando cuidamos bem de nós mesmos, estamos cuidando bem da pessoa
que amamos. O amor por nós mesmos é a base da nossa capacidade de amar o outro.
Se não cuidamos bem de nós mesmos, se não estamos felizes e tranqüilos, não
podemos fazer a felicidade de mais ninguém. Não podemos ajudar nossos seres
queridos, não podemos amá-los. Nossa capacidade de amar uma outra pessoa depende
totalmente da nossa capacidade de amar e cuidar bem de nós mesmos.
Nossos ferimentos podem
ter sido causados pelo nosso pai ou nossa mãe. Eles repassaram o que sofreram
quando crianças. Como não sabiam a forma de curar as feridas da infância, eles
as transmitiram para nós. Se não soubermos como transformar e curar nossos
próprios ferimentos, vamos transmiti-los para nossos filhos e netos. É por isso
que temos que voltar à criança ferida que existe dentro de nós para ajudá-la a
ficar curada.
Às vezes, essa criança
precisa de toda a nossa atenção. Ela pode emergir das profundezas da nossa
consciência pedindo atenção. Se você estiver consciente, ouvirá a voz dela
pedindo ajuda. Quando isso acontece, é hora de desligar-se de tudo em torno e
voltar-se para dentro, acolhendo e abraçando carinhosamente a criança ferida
dentro de você. Respire conscientemente dizendo: "Ao inspirar o ar, volto-me
para minha criança ferida; ao soltar o ar, cuido amorosamente da minha criança
ferida." Você precisa praticar e se voltar para a sua criança ferida todos os
dias, abraçando-a com carinho, falando com ela. E você também pode escrever uma
carta para ela dizendo que reconhece sua presença e fará tudo que estiver ao seu
alcance para curar seus ferimentos.
Quando eu falo que é
preciso ouvir com compaixão, talvez vocês pensem que se trata apenas de escutar
uma outra pessoa. Mas também precisamos escutar a criança ferida dentro de nós,
pois ela está continuamente conosco. E nós podemos curá-la a cada instante,
neste exato instante. "Minha querida criança ferida, estou aqui do seu lado e
desejo intensamente ouvir você. Por favor, conte-me tudo sobre seu sofrimento,
descreva toda a sua dor. Estou aqui, estou realmente escutando." Se você
conseguir fazer isso e ouvi-la dessa maneira durante cinco ou dez minutos todos
os dias, a cura certamente acontecerá. Quando subir uma bela montanha, convide
sua criança interior para acompanhar você. Quando contemplar a beleza de um
pôr-do-sol, convide-a para compartilhá-lo com você. Se fizer isso durante
algumas semanas ou meses, sua criança ferida ficará curada. A plena consciência
é a energia que pode nos ajudar a realizar essa cura.
Um minuto de prática é um
minuto em que geramos a energia da plena consciência. Ela não vem de fora e sim
de dentro de nós. A energia da plena consciência é a energia que nos ajuda a
estar totalmente presentes no aqui e agora. Quando você toma chá com plena
consciência, seu corpo e sua mente desfrutam uma perfeita união. Você é real e o
chá que bebe também se torna real. Quando sua cabeça está cheia de projetos e
preocupações, você não está realmente tomando seu café ou seu chá. Você está
bebendo seus projetos e suas preocupações. Você não é real, nem o café ou o chá
são verdadeiros. Seu chá ou seu café só podem se revelar como uma realidade
total quando você se voltar para o seu eu e estiver plenamente presente,
libertando-se do passado, do futuro e das preocupações. Quando você tem
consciência de si e do seu momento presente, o chá também se torna real e o
encontro entre você e o chá é real.
Existe a meditação do chá
que oferece a você e seus amigos a oportunidade de se exercitarem na prática de
estar realmente presentes, concentrando-se na xícara de chá e gozando plenamente
tudo o que ela tem a oferecer sabor, perfume, calor. Concentrando-se e
usufruindo a companhia uns dos outros. A meditação do chá é uma prática
destinada a nos libertar. Se você ainda sofre as limitações e perseguições do
passado, se ainda tem medo do futuro, se se deixa levar pela ansiedade e pela
raiva, você não é uma pessoa livre. Não está totalmente presente no aqui e
agora, de modo que a vida não está disponível para você. O chá, a outra pessoa,
o céu azul, a flor não estão à sua disposição. Para que você possa realmente
viver, para que consiga tocar profundamente a vida, você precisa ser livre.
Cultivar a plena consciência ajuda você a se libertar.
A energia da plena
consciência é a energia de estar presente. Corpo e mente unidos. Quando pratica
a respiração consciente ou o andar consciente, você se liberta do passado, do
futuro, dos seus projetos, das suas preocupações, e passa a estar presente e a
viver totalmente. A liberdade é a condição fundamental para você tocar a vida,
tocar o azul do céu, as árvores, os pássaros, o chá e a outra pessoa. É por isso
que a prática da plena consciência é tão importante. E não pense que você
precisa treinar durante muitos meses para conseguir fazer. Uma hora de prática
por dia ajuda a ser mais consciente.
Exercite-se tomando
conscientemente seu chá, seu café, saboreando o gosto, aspirando o perfume,
sentindo na mão o calor da xícara, e, durante esse processo, transforme-se numa
pessoa livre. Exercite-se para se tornar uma pessoa livre enquanto prepara o
café da manhã, ao tomar banho, ao vestir-se. Quando andar pela rua, quando
arrumar a casa. Ao acordar, em vez de deixar-se assaltar pelas preocupações,
sinta e usufrua a maciez dos lençóis, perceba a claridade que entra pela janela.
Qualquer momento do dia é uma oportunidade para você exercitar a plena
consciência e gerar essa energia.
"Meu amor, sei que você
está aqui e me sinto muito feliz". Através da plena consciência, você é capaz de
tomar profundo contato com o que existe no momento presente, inclusive com a
pessoa que você ama. O fato de conseguir dizer ao seu ente querido "Meu amor,
sei que você está aqui e me sinto muito feliz" demonstra que você é uma pessoa
livre. Prova que você tem a mente atenta, que possui a capacidade de valorizar e
apreciar o que está acontecendo no momento presente. O que acontece no agora é a
vida que pulsa em seu ser e na pessoa que você ama, e que está viva, diante de
você.
Quando você abraça a
outra pessoa com a energia da plena consciência, olhando para ela e dizendo "Meu
amor, acho maravilhoso você estar aqui ao meu lado. Isso me deixa muito feliz",
isso causa a sua felicidade e a felicidade do outro, porque ele sente como é
real o sentimento que você expressa. É diferente de abraçar automaticamente,
dizendo palavras convencionais que não vêm da plena consciência da presença do
outro e do valor dessa presença. Quando conseguimos estar plenamente com o
outro, a possibilidade de ficarmos com raiva é muito menor. Quando se zangar ou
sentir raiva, respire ou ande conscientemente durante dois minutos para se
restabelecer no aqui e agora, para viver de novo. A outra pessoa pode estar
dominada por preocupações, raiva e ansiedade, mas você pode salvá-la, e
salvar-se, através da plena consciência.
Texto em http://sangavirtual.blogspot.com
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