Por Thich Nhat Hanh
No Dhammachakka Pavattana Sutta, o Buddha ensina as quatro nobres verdades sobre a existência do sofrimento, sua origem e cessação, e sobre o caminho. Mas, no Sutra do Coração, o bodhisattva Avalokiteshvara nos diz que não existe o sofrimento, nem causa, nem cessação, nem caminho. Será que isso é uma contradição? Não. O Buddha está falando em termos da verdade relativa, e Avalokiteshvara transmite seus ensinamentos em termos da verdade absoluta. Quando diz que não existe sofrimento, ele quer dizer que o sofrimento é composto inteiramente por coisas que não são sofrimento. Se você sofre ou não, isso vai depender de muitas coisas. O ar frio pode doer quando não usamos roupas quentes mas, com as roupas adequadas, o ar frio pode ser uma bênção. O sofrimento não é algo objetivo. Ele depende da forma como percebemos as coisas. Existem coisas que causam sofrimento a uma pessoa, mas não a outras, assim como existem coisas que causam alegria a alguns e não a outros. As quatro nobres verdades foram apresentadas pelo Buddha como algo relativo, que ajuda a pessoa a atravessar a porta inicial e a começar a praticar, mas não representam seus ensinamentos mais profundos. Olhando através do ponto de vista da interdependência, sempre podemos reconciliar as duas verdades [relativa e absoluta]. Quando vemos, entendemos e tocamos a natureza da interdependência, vemos o Buddha. [...]
Quando Avalokiteshvara declara que os olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente são vazios, isso quer dizer que eles não podem ser considerados qualquer coisa por si mesmos. Não-eu [ou vazio, vacuidade] quer dizer que você é feito de elementos que não são você. [...] As três qualidades do Dharma são as chaves de que dispomos para abrir as três portas da liberação — a vacuidade (sânsc. shunyata), a ausência de imagens (sânsc. animitta) e a ausência de objetivo (sânsc. apranihita). Todas as escolas do buddhismo aceitam o ensinamento das três portas da liberação. Essas três portas às vezes são chamadas de três concentrações. Quando passamos por essas portas, adquirimos a concentração e nos libertamos do medo, da confusão e da tristeza. [...]O vazio sempre significa vazio de alguma coisa. O copo está vazio de água e a tigela está vazia de sopa. Nós estamos vazios de um "eu" independente e separado. Não podemos existir sozinhos. Só podemos existir em inter-relação com tudo o mais que existe no cosmos. A prática consiste em incentivar a compreensão do vazio durante todo o tempo. Aonde quer que vamos, entramos em contato com o vazio que existem em tudo. Olhamos para a mesa, o céu azul, o nosso amigo, a montanha, o rio, a raiva e a felicidade, entendendo que tudo isso está vazio de um "eu" independente e separado. Quando contemplamos essas coisas em profundidade, vemos a natureza interdependente de tudo que existe. O vazio não significa, em absoluto, não-existência. Significa origem dependente, impermanência e não-eu.
Quando ouvimos falar de vazio, ficamos assustados. Mas depois de praticar por algum tempo, entendemos que as coisas realmente existem, mas de um modo diferente do que pensávamos. O vazio é o caminho do meio entre a existência e a não-existência. A flor não se torna vazia quando murcha e morre, mas sempre foi vazia em sua essência. Está vazia de um eu independente e separado.
(Thich Nhat Hanh. The heart of the Buddha's teaching - transforming suffering into peace, joy, and liberation:the four noble truths, the noble eightfold path and other basic Buddhist teachings. Broadway Books: New York, 1999.)
(Thich Nhat Hanh. The heart of the Buddha's teaching - transforming suffering into peace, joy, and liberation:the four noble truths, the noble eightfold path and other basic Buddhist teachings. Broadway Books: New York, 1999.)
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